Eu já estava achando estranho o silêncio.
Custei a acreditar que passavam incólumes.
Que as pessoas haviam perdido, no intervalo de um ano, sua capacidade de contemplar, se embevecer. Até mesmo de enxergar.
De parar o carro, andar a pé, render homenagens.
Pensei se estavam em escassez.
Bastou um olhar atento para saber.
É época.
E Brasília está colorida.
Pintada por seus tradicionais buquês.
De ipês-roxos. Em todos os lugares.
Enfileirados.
Sozinhos.
Fartos.
Franzinos.
No gramado da minha quadra, só um.
É o meu.
É o que me coloca para dormir. E o que me acorda.
Há um ano, eram alguns. Ao mesmo tempo.
Viraram ponto turístico.
Esse ano, onde antes havia uma floresta de ipês, hoje há asfalto. É estacionamento. Na promoção. R$0,10 o minuto. Lá na Asa Sul.
Outra surpresa. Fato histórico. Conhecia a Missão Cruls, encarregada de delimitar o território da então futura capital do país.
A Missão Ipê descobri agora.
Empreitada de um jornal da cidade para divulgar imagens da floração do ipê-roxo, feitas por dezenas de brasilienses empenhados em encontrar o melhor ângulo, a melhor luz. Registros caprichados.
Serão recompensados. Recrutados. Integrantes da Missão Ipê.
Suas histórias de desbravadores contadas em poucas linhas ao lado das imagens escolhidas. Tem servidora pública, professora, estudante meio francês-meio brasileiro, alemã recém-chegada.
E até setembro serão muitas outras. Imagens. Histórias.
Das tão fugazes flores em estado de poesia.
Plenas e vigorosas.
Nem bem as vemos no alto, já pousam murchas no chão.
Nem por isso menos bonitas.
Largadas pelos ventos nas calçadas e áreas verdes são e dão espetáculo.
Tapetes.
Não para deuses. Nem para celebridades.
Para todos.
Roxos.
Foto: Gilberto Soares