Depois de, no mínimo, seis meses, fui à casa do meu irmão no último sábado. Foi peripécia de isolamento social. Mantido por mim desde que começaram todas as regras de isolamento. Desde o primeiro decreto. Desde a Pandemia. Desde o início. De tudo isso.
Ali, em um surto de liberdade, no quintal, em meio às grades que separam uma casa da outra, e onde eu me deixo quedar sempre que vou, eu vi Kunka. Não olhei muito. Para não invadir a privacidade dos vizinhos. Ele estaria na terceira casa. Sentado sob o sol. Ao seu lado estaria um copo de cerveja. Sim, já era hora. Dava para refrescar o calor com uma gelada. E não passar pelo crivo de um horário inadequado da manhã.
Fiquei atônita ante aquela possibilidade. Exibi um pouco a minha figura e esperei o grito dele. Seus gestos fartos. Suas mãos densas. As vi para o alto. Acenando. Ele abriria o portão. E viria até mim. E, em meio a máscaras e metro e meio ou dois, reavivaríamos a amizade e as lembranças de conterrâneos que somos. E mais as saudades do samba. Maiores agora. No ano que não começou. Maiores agora.
Mas ele não veio. E sua chegada cedeu lugar a um silêncio. Então não era Kunka. Mas alguém com sua compleição física. Vista de relance. E para quem não olhei de novo pelo motivo que já coloquei. Discrição. Pudor por ter acesso a outras vidas, trechos dela, por entre cilindros de ferro.
A faísca da possibilidade de sabe-lo ali me fez tão feliz. Eu sabia que receberia, mesmo sem ser dado, um abraço forte, apertado, de urso, como era de sua compleição física.
Aquele encontro, se tivesse havido, iria fazer do meu surto de liberdade uma real fatia da vida e da felicidade em vivê-la.
Eu seria acolhida por Kunka. E por tudo o que sua acolhida representava. E isso me faria esquecer do isolamento. Dos decretos. Da Pandemia. Desde o início.
Como me fez falta aquele encontro. Mas foi como se tivesse acontecido. Por ter me completado com aquela graça que só os encontros com Kunka traziam. E não foram muitos. Nos últimos anos muito mais raros. Talvez dois. Um em 2018 e outro em 2019. No Amigão e na Cervejaria Cristal, onde o objetivo da turma que foi lá curtir a roda de samba era mesmo ver Kunka. No dia do seu aniversário.
Ontem, segunda-feira, a notícia de que Kunka partira. E a surpresa do nosso não-encontro no sábado ter se revelado, assim, como o último que tivemos. Não houve a presença. Mas a emoção de pressenti-la.
Fui presenteada. Agora eu sabia. Foi a última vez que senti a graça de encontrar Kunka. Em vida. Mesmo que assim. Em um engano. Em uma ilusão. Em um momento que não se concretizou. Mas ficou reverberando em mim. Até que eu soubesse.
Kunka se foi. Mas permanece. E eu agradeço por tê-lo conhecido e por ter recebido dele tanta generosidade e sorriso. E música. Do surdo até sua risada tão farta quanto o som do seu instrumento - agora mudos. Ecoam. Em mim.