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Fantasmas me atormentam

11h39. Ainda não fiz algumas coisas que me propus. Mas sigo elencando mentalmente as tarefas realizadas, para me dar prêmio de consolação ou, biscoito. Agora sei o que significa a expressão "quero biscoitos", que tanto vejo nas Redes Sociais ou que dei um significado que me faz sentido, após adotar um filhote de cachorro (um RND) Raça Não Definida, termo que, descobri, deve estar no lugar do agora não apropriado “vira-lata”.


O biscoito ou petisco deve ser ofertado ao ser de nome Pingo Josué Barbosa, antecipado da palavra ‘yes’ após um acerto nos comandos, há duas semanas ensinados de forma reiterada, com o auxílio de um adestrador  e, tantas vezes (a maioria) de forma vã.


Há duas semanas virei mãe de novo. De forma intempestiva. Mas, diz minha irmã Vitória, que a decisão já devia estar sendo tomada, lá noutros níveis de processos decisórios. Ela tem me aconselhado, me escutado e até fez figurinhas do cão, com as novas possibilidades do WhatsApp.


Estou com os cabelos molhados. Aspiro o ar para sentir os cheiros que exalo e, mais uma vez, me parabenizar. Ufa. Consegui o banho. Repasso o dia.


Acordei às 6h, com a ajuda de um despertador. Na noite anterior, tomada por cansativo torpor, adormeci por volta das 19h, acordei por volta das 20h, sacudida por uma enxurrada de sonhos que agregavam as mais estranhas cenas e pessoas e, ainda, a maior parte da minha família, em espaços que já conheço por meio de sonhos recorrentes.


Senti que podia voltar a dormir, que seria projeto bem-sucedido. Mas não foi. Fui tomada por coceiras em todo o corpo. Sacudi a cama. Pulgas? Mas já fizemos o tratamento e ministramos remédios. Pernilongos? Fechei cortina e janela. Ajustei o ventilador.


Os focos de prurido (termo aprendido em bulas de remédios), pipocavam aqui e ali. Alergia? Havia comido amêndoas defumadas, minutos antes. Mudança de posição. Incômodo. Ainda o cansativo torpor me impedindo decisões mais acertadas ou racionais. Procurei o antialérgico. Tomei. Acordei às 6h, com a ajuda de um despertador.


Apurei os ouvidos para saber se havia algum ser senciente arranhando a porta ou choramingando. Não havia. Apurei os ouvidos para saber se água corria pelo chuveiro, anunciando que minha filha estava no banho, cumprindo os horários de forma que, às 7h, estivesse dentro da van escolar. Não havia.


A missão de ver cumprido ou de ajudar para que isso aconteça, o horário de saída da agora adolescente filha, para a escola, tem me acompanhado há anos. Agora, o horário apertou mais. O motorista passa mais cedo e o cachorro tem um dos seus picos de adrenalina (comuns aos filhotes, como venho aprendendo), neste mesmo alvorecer. Lidar com as duas coisas é desgastante, um tanto enlouquecedor. E já nas primeiras horas do dia, sinto que passei por alguns vários tsunamis, sem arredar pé do chão de um apartamento.


Levantei-me ainda sob o cansativo torpor e fui para a cozinha, onde me esperavam a louça para guardar, a louça para lavar. Olhei para o chão da sala onde me esperavam xixi e cocô para serem descartados.


Quer vitamina?


– Quero.


Dediquei-me à preparação deste que tem sido o desjejum mais prático e rotineiro por aqui.


Não havia trazido o celular comigo - do quarto para a cozinha. Não lembrei do companheiro matinal, no qual me atualizo do horóscopo, das manchetes que os algoritmos julgam importantes me trazer.


Você sabe das horas?


Um aparelho apontando 7h9 e uma expressão de incredulidade surgiram na minha frente.


A van já passara. Cumprindo o combinado. Que é o de partir sem aviso prévio, caso uma estudante não esteja dando passos em direção ao automóvel, assim que estacione.


Veja se ele vem no segundo horário. O combinado também era este. Se a passageira não estiver, ele volta na segunda rodada. Tudo fica um pouco atrasado. Mas sem grandes intercorrências.


Viu?


- Vi. Ele não vem.


Então, se arrume que vamos para o ponto do ônibus.


Em outras ocasiões, chamaria o uber, voltaria à pé, pediria carona aos vizinhos. Mas hoje senti que posso não estar ajudando tanto quanto imagino, ao tentar impedir consequências ou querer resolver tudo. Mesmo que isso traga as consequências para mim.


A essas alturas, o filhote latia, pulava em nossas pernas e mordiscava nossos dedões – ele tem sido parte da razão dos atrasos dos últimos dias.


Antes de sair, ainda forcei a coluna, que anda reclamando de tanto uso de vassouras, pás, panos de chão (preciso modernizar os métodos de limpeza, penso). De tantos agachamentos para tirar, limpar, esfregar. De tanto borrifar de vinagre, cânfora e citronela, métodos que impediriam o estraçalhar de móveis e outros objetos e que até vem dando certo (exceto para fios grudados nas paredes e para as capas de vinis).


Consigo vestir a roupa da caminhada (venho me prometendo sair mais cedo e pegar um sol mais ameno). Os tênis, vou calçá-los do lado de fora. Não havia tempo para lutar com quem não aguenta ver a cena sem correr para cima dos cadarços.


Está com a chave?


Está com o cartão mobilidade?


Pegou o lanche?


Comprei os ingredientes, mas não consegui fazer almoço. Tem dinheiro para comer perto da escola?


Tem?


Caminho no parque – sem me alimentar mesmo. Na volta, passo no mercado. Decido que preciso cuidar também de mim, agora que percebi que tenho pulado quase todos os almoços.


Chego de volta.


Pedaços de capas de vinis denunciam o ato de vandalismo. Os discos ficam em uma estante rente ao chão. Tentei ensinar o cachorro a respeitá-los. Não deu certo. Mudei alguns de lugar. Já não tenho tantas alturas para onde transferir todos os itens da casa. Pingo Josué, aos poucos, tem escolhido mordiscar as raridades em seus momentos de intensidade ou de sintomas de síndrome da separação.


Faço a varredura. Nenhum outro sinistro. Melhor assim.


Tomo um café da manhã. Varro e passo pano porque com o cachorro dormindo a missão não se torna guerrilha. Ele acorda. E entro na guerrilha à revelia. O ritual da limpeza se transforma em um transtorno desolador.


Lembro de perguntar se a filha chegou na escola. O celular, avariado, ficou para que eu buscasse conserto.


Chegou. Diz o funcionário.


São 11h39. Fantasmas de pendências várias me atormentam. Fantasmas da vida toda, me atormentam.


Lembro do que ouvi no terreiro. Do conteúdo de todos os vídeos que venho escutando, nas caminhadas. É hora da virada. É hora da coragem. É hora de trabalhar. É hora de agir. É hora da forja. É dia de Jorge Guerreiro. É dia de Ogum.

É hora de tanta coisa. São 11h39.


Fantasmas de pendências várias me atormentam. Fantasmas da vida toda, me atormentam.


É hora da virada. É hora da coragem. É hora de trabalhar. É hora de agir. É hora da forja. É dia de Jorge Guerreiro. É dia de Ogum.



Imagem de Nick Magwood por Pixabay


 

 

 

 

 

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