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O QUE APRENDI COM OS PÁSSAROS

Tudo começou com um pouco de... inveja?

Sim. Quero admitir isso. Não achei palavra mais sincera.

Estou morando em uma casa. Espaço que eu chamo de ‘roça’ mas que é um misto de rural com urbano, dada à localização e à própria configuração do terreno. Não temos aqui muitas espécies nativas do cerrado. Mas uma plantação de pitangueiras e jabuticabeiras. A água corre em forma de córrego. Esse cenário atrai capivaras, tucanos, sabiás e outras aves, que tenho buscado identificar pelo canto.

Ocorre que bem em frente à parte que me cabe no latifúndio, há uma clareira. Uma área, vamos dizer, precisando de recuperação. Não existem árvores nesse perímetro e mesmo as ramagens que podiam cobrir o chão de verde, não se achegam. Ao contrário, ele é recoberto por folhas secas que se desprendem das árvores altas que ladeiam a cerca, pelo lado de fora, e fazem um tapete crocante e bonito também.

Percebi que os pássaros estavam separados de mim por alguns metros. Ouço seu farfalhar. Escuto sua festa matinal. Mas praticamente não os vejo. Eles não vêm para as minhas bandas. Preferem o outro pedaço. O que não é "meu". É lá onde estão as frutíferas. Os galhos altos. As copas em veredas. Que eles adoram.

Às vezes, os chamo. Tento entabular conversas. Peço que se aproximem. Eles fazem ouvido de mercador. Inconformada com o desprezo, decidi, junto com minha filha, forçar a barra. E tentar atrair os miúdos para o nosso quintal.

Então, optamos por um golpe baixo. Ofertar alimento. Ora, se a comida é fator de atração e de convívio, necessidade premente dos seres viventes, não haveria razão de as aves devolverem nosso gesto com total desprezo. Oferecemos banquetes.

Tentamos adivinhar-lhes as rotas mais óbvias e salpicamos por ela cascas e sementes de frutas, nacos de pão e alguns grãozinhos, em comedouros caseiros que minha filha improvisou em caixas de leite, bandas de maracujá e caixas de ovos.

Depois de ter pendurado e espalhado a fartura, me pus a esperar a chegada dos primeiros convidados. Sentada à beira do caminho, olhava. Torcia. Rezava. Resmungava. Lamentei que os pássaros não tivessem faro. Estavam tão perto. Isso. Agora. Sobe um pouco. Mais à direita. Agora à esquerda. Só mais um passo. Vai. Vai. E eles voavam. Surdos. Mudos. Indiferentes.

Percebi uma mudança de humor. Uma irritação. Uma chateação. Em mim. Estudando o que poderia ser a fonte, cheguei à conclusão de que a rebeldia dos miúdos e sua não aceitação da nossa oferta, estavam metidos nisso.

Voltei a sentar. E a criar hipóteses. Precisávamos ter colocado mais alto. Não devíamos ter posto nada no chão. São poucos os que descem. E, embaixo, tornam-se presas para os gatos do vizinho, sempre à espreita.

Minha irmã, acompanhando a pendenga, perguntou-me por que eu não me contentava em ouvir o canto, em deixar os passarinhos seguirem seus rumos.

Achei que ela não estava sendo solidária. Como poderia propor que eu abandonasse um engenho tão importante e que me levou todo o final de semana?

Depois, assenti. Era isso mesmo. Eles eram indiferentes a nossa oferta. E têm o direito. Eles não queriam se refestelar no banquete imposto com um cardápio que talvez nem lhes agradasse. Eu não podia forçar. Acontece assim com os humanos também. A gente acha que oferece o melhor. Quer impor uma vontade nossa. Esquece do livre arbítrio. Esquece que “amigo não se compra, se conquista”, como dizia um texto no meu livro do primário.

Saí do meu posto de observadora. Aceitei as coisas como elas estavam se apresentando. Fechei os olhos. Abri os ouvidos.

Os pássaros em sua plena liberdade de ser o que são. Como são. Livres.

Foi então que aprendi a voar. Com eles.

Imagem de Joel santana Joelfotos por Pixabay

Imagem de Joel santana Joelfotos por Pixabay


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