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Antes da moção de louvor

 

É madrugada. Ainda estou desperta. Antes de sentar-me aqui, vasculhar algumas notícias e atualizar minha lista de afazeres, estava fazendo coisas que sequer entram na lista – porque são constantes, embora nem sempre cumpridas com o rigor necessário. Eu sequei e guardei louça. Para abrir espaço para lavar e secar uma próxima leva. Lavei banheiro. Limpei fogão. Passei pano no chão da cozinha.

 

Agora pareceu que esqueci de mim.  Deveria ter provado uma roupa, comprado um par de sapatos novos. Ter ido ao salão, cuidado de sobrancelhas, unhas e cabelos, isso desde a segunda-feira, quando soube que receberia uma Moção de Louvor, para a quinta em que já estamos e abarcará, logo mais, a solenidade na Câmara Legislativa do DF.

 

Para a honraria, gostaria hoje de me sentir preparada. Plena. Por dentro e por fora. Mas porque tudo no mundo acontece, a cidade foi tomada por fumaça e fuligem. Portanto, calor, sufocamento, desesperança, angústia. As crianças e jovens foram dispensados das aulas. Os cachorros não puderam sair pra passear. As janelas não foram abertas. A rotina se embaralhou. E a confusão mental, lerdeza, desesperança, angústia, calor e sufocamento tomaram conta de tudo. Em mim. A despeito da dificuldade do corpo, era preciso seguir.

 

Penso que deveria estar mais feliz e orgulhosa. Mas tenho dúvidas se são sentimentos pertinentes para o momento. Não gostaria de tê-las tanto – as dúvidas. Queria estar mais feliz e orgulhosa. E pronto. Sem meio termo. Sem dualidade.  


A proximidade do evento me tirou o sono. Isso de atos políticos. De estar em uma casa legislativa, de receber uma honraria das que são ofertadas pelas casas legislativas, me leva muito para casa, me puxa pelas raízes e me coloca em Campina Grande, na Paraíba, dentro da Casa de Félix Araújo, onde minha mãe foi vereadora por 32 anos e meu pai, por outros dois mandatos, se a memória estiver correta.

 

Também me coloca na Casa de Epitácio Pessoa, onde meu irmão foi deputado e meu pai, anos antes, recebeu, ele sim, muito feliz e orgulhoso, o Título de Cidadão Paraibano, bem merecido para o alagoano que viveu a maior parte dos seus 91 anos na Rainha da Borborema. Aí, penso que meu pai estaria feliz e orgulhoso. Mas não está aqui para ver ou dizer suas máximas na hora de comemorar vitórias conosco.

 

Então, refaço minha estrada. Minha literatura de um livro só - em breve serão dois. Minha vontade de estar ao lado de outras mulheres pretas para que, nas trocas, nos fortaleçamos – manas, é preciso coragem. E, sim, balanço a cabeça em anuência. É justo que eu seja agraciada porque embora eu não soubesse qual seria o sentimento diante de uma notícia assim, penso que é bom vivê-lo. O sentimento. Vivê-la. A homenagem.


Já já, improviso minha maquiagem como sempre. Desamasso a melhor roupa que me aparecer. Coloco um sapato esportivo porque os sociais foram devorados pelo cachorro. E vou lá. Viver minha própria experiência em uma casa legislativa. E permitir me sentir feliz e orgulhosa. Finalmente.




 

 

2 Comments


Thiago Barbosa
Thiago Barbosa
Sep 20

Reconhecimento.

Buscamos tanto esse sentimento, que por vezes nos transformamos no que achamos que o mundo espera de nós, no que as pessoas, imaginamos, imaginam ser o melhor para nós, o melhor de nós. Buscamos reconhecimento, primordialmente, nos nossos pais - mesmo quando eles já não estão mais entre nós. Nessa busca por sermos reconhecidos, não raro nos convertemos em desconhecidos de nós. Depois de tanta luta por reconhecimento, nos reconheceremos no espelho?

Fico feliz em ver que você não se desconheceu. Quem foi louvada, homenageada, reconhecida, foi você, você mesma, maquiagem caseira, sapato esportivo, o melhor vestido que apareceu. Você, Leska Leska, com esse suquinho tão particular de qualidades que lhe fazem ser você. Que venha mais reconhecimento para…

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Vania Barbosa
Vania Barbosa
Sep 20

O seu olhar atento para o mundo, a mente exalando palavras, o lápis agil, o sentimento no papel, que não consegue ficar tanto tempo branco em sua frente! Sua escrita abrindo canais, conquistando seu público. Essa homenagem, essa monção não é um acaso. É uma constatação, um reconhecimento! Parabéns!!!!

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