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A PERGUNTA

O rádio fez uma enquete. O programa de rádio. Os locutores do programa de rádio. O que mudou em você? Ou algo parecido. Ou seria o que você aprendeu? Aprendeu algo novo?

Eram leves as respostas. Os aprendizados, pueris. Tornei-me uma verdadeira chef. Aprendi marcenaria e fiz um banco e algo mais (não lembrava) para minha filha. Aprendi a cozinhar e estou fazendo comida para toda a família. Aprendi a ter mais empatia. Sou mais solidária – doei comida e roupa. Isso me fez muito bem.

Buscou por seus aprendizados.

Sentia culpa.

Parecia não haver.

O que diria se respondesse aos locutores que imploravam pela resposta? O programa ficaria no ar por muito tempo ainda. Até às 20h. As mensagens podiam chegar por aplicativo, Rede Social, telefonema.

Ensaiou algo.

Sentia culpa.

Parecia não haver.

Fingiu escolher um meio.

Não. Aquilo não era para ela.

Talvez fosse a única que, após um decreto de seis dias, transformado em cinco meses – aprendera nada.

Era exagero. Vamos ver. Já guardava os alimentos de forma mais organizada na geladeira. A voz do ex-marido ainda se fazia ouvir. Depois que abre, tem que colocar em outra embalagem. Contabilizava um número menor de perdas. Afinal, não eram tempos que coubessem desperdício.

Aliás, o tempo. Também aprendera sobre ele. Mas não sabia bem o quê. Que não se ajustava mais aos dias e ao seu passar, o passar do próprio tempo? Que não se sabia qual dia da semana era e já não havia rotina ou benefícios ou recompensas que formalizassem a alternância dos dias? Que um ‘sextou’ perdera o sentido e agora parecia xingamento ou ironia barata?

Não. Aprendera do tempo que nunca soube usá-lo bem. Sempre atrasou. Sempre desistiu. Sempre correu. Sempre perdeu. Era isso. Aprendera que era necessário ter domínio sobre o tempo para se chegar lá. O nome também era disciplina. Mas o lá também havia se desvanecido com o tempo.

Aprendeu a fazer compras por Whatsapp. Receber o que não pediu. Não ter o que pediu. Dar de cara com pacotes de cinco quilos que não venceria em cinco anos. Marcas desconhecidas. Produtos estragados. A ir correndo ao supermercado a ponto de não dar tempo de passar entre corredores e prateleiras – e chegar em casa com o que conseguiu pegar do que havia perto do caixa? E descobrir que a lista não havia sido cumprida mesmo porque não havia uma.

Ser enxergada e devolver o olhar – como fosse algo a ser temido. Banido. Possível portadora de doença infecciosa. E era. E eram todas as pessoas que se cruzavam fugidias nas ruas desnudas e agora sem atrativos. Feias. Teria sido sempre assim sem atrativos o lado de fora?

Aprendeu que a vida era a necessidade de comida. Mas lembrava que comida é pasto.

Bebida é água.

Não aprendeu sobre a fome. E isso era bom.

Aprendeu a se recolher sob lençóis e cobertas. Fingindo não temer o dia. E esperar. Fingindo confiança. O passar das horas. Para que pudesse dormir. Mas a chegada da noite não significa a vinda do sono. E rogava para que amanhecesse. E deixasse de ouvir sons imaginários. E de ser engolida pelos fantasmas da madrugada.

Aprendeu que tudo bem não querer fazer nada. É assim mesmo. Está todo mundo assim.

Aprendeu mais e de novo sobre partidas e chegadas.

E ao seu estudo sobre o amor. Acrescentou capítulos sobre solidão. Não quer mais dar crédito a um ou a outro. Amor. Solidão. Apenas ser. E em sendo, brilhar. Por dentro. Pois o domínio só é possível pelo lado interno. E vêm as teorias dizendo que o domínio não é possível de nenhum jeito. Não há controle. Não se tem controle.

Desligou o rádio.

Desaprendera a interagir.


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