Tempo, me ensina a hora certa de chegar.
Foi no tempo que pensei. Ao acordar e ver uma mensagem pedindo para ser aceita, no modo privado do Instagram. Era da cantora (e mulher de tantos outros fazeres) Fernanda Porto. Trazia um arquivo de matéria que fiz sobre um show dela em Brasília. Em 2003. Ela tinha feito um storie com o material e o compartilhava comigo.
Respondi. Agradecendo. Sem saber em quem chegariam as palavras. Uma assessoria? Ficariam perdidas no limbo possível da Internet? Aquele arquivo era um presente. Eu guardava todas as páginas de jornal assinadas por mim. Mas na penúltima mudança, essa sacola evaporou-se. Lamentei. Mas entendi que era resultado de certo descuido com o qual lidara com meus textos.
A própria Fernanda respondeu de pronto. E conversamos um pouco. Falei que não trabalhava mais em jornal. Há muitos anos, atuo em assessorias de comunicação. Mas a novidade era meu livro.
Ela acolheu a boa nova. Perguntou o nome da obra. Fez questão de trocar o presente que eu ofertava, o livro, por sua compra. “A gente faz o que quer que os outros façam com a gente, um carinho representado também financeiramente, na obra que a gente faz. Então, vai ser um prazer”. Aceitei por entender o argumento da artista.
Ela sabe bem o que é se responsabilizar por todas as etapas de um trabalho. E relembrou. “Sou a primeira mulher brasileira a produzir o próprio disco, em 2001 e essa informação ficou meio perdida”, me disse por áudio.
Eu tinha visto rapidamente, na Internet, que ela estava chegando com um trabalho novo. Depois de muitos anos sem gravar. E era isso mesmo. Ela me passou o link do arquivo. E mais. Me presenteou com a audição de músicas ainda não disponíveis. Ainda não finalizadas. Uma delas, trazia outro mimo. A reafirmação do verso de Milton Nascimento. Eu, caçador de mim. Em uma homenagem que fará a ele. (Será que eu podia contar?)
Naquela época. 2003. Era essa a imagem que Fernanda me passava. Caçadora aguerrida. Chegando com força, vigor, beleza, balanço, na nossa música. Mas eu estava certa que a caçada não terminara. Afinal. Tantos anos. E permanecíamos aqui. Em cima da terra. Embaixo do céu. Achadas pela busca das Redes Sociais. Unidas, talvez, pela identidade não apenas de caçadoras. Mas das feras caçadas. De toda forma. Sobreviventes. Viventes.
Busquei a matéria que não li da outra vez. Sobre seu retorno. Dizia que vinha depois de forte depressão. Depois de uma sequência de vida. Seus golpes. Ou suas respostas enviesadas e silenciosas para nossos questionamentos. Vinha devagar. Uma música a cada quinze dias. Em plataforma digital. Depois, chega em forma de cd e vinil. Vinha inteira. Novamente um trabalho realizado por ela. Em todas as camadas. Decisões. Vinha firme. Íntegro. Como senti ao ouvir as canções já disponíveis.
Vem, como o chamado que faz ao tempo, e abre esse texto, cheio de humanidade. Cheio de aprendizado. Tão feminino. No que uma carreira exige de uma mulher. No que uma carreira boicota uma mulher. No que uma carreira golpeia. E premia uma mulher.
Vem Fernanda. Porto sem medo de insegurança. Porto aberto. Para que atraquem as descobertas. As maturações. Para que se rasguem. Peito aberto. A caça. E a caçadora. Jorrando vida. Exalando. Desejo de viver. Corpo elétrico. Alma acústica.
Foto: Divulgação
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