Ontem à noite senti medo.
Era madrugada já. E era madrugada porque eu tentava esticar o estar acordada. Desperta. De prontidão. Uma forma de lidar com o medo que já havia. Não adormecendo para que não me interpelasse de supetão. Acordada para alimentá-lo. Talvez.
Era a primeira noite sozinha na casa onde moro. E a casa onde moro me remete à casa dos meus pais. Onde cresci. Linda e cheia de encantos. Ameaçadora à noite. Pela localização. Pelo tamanho. Pela área verde em volta, com seus barulhos e mistérios. Noturnos.
E quando eu soube que ficaria sozinha, pensei na noite. Pensei na razão de ter vindo para uma casa. E renovei os medos do passado. Talvez tenha voltado a ser a menina. A jovem. A adulta. Que passava medo à noite. Na casa dos pais.
Fingi estar tudo bem. E me surpreendi com o fato de conseguir estar desperta diante de uma tela, há tanto tempo.
Foi quando veio o som. De correntes que se arrastavam. Mais e mais. Foi assim que o defini. Barulho de corrente.
Em segundos, criei a cena. Alguém tentava passar para o lado de dentro da cerca, aqueles ferros. Aqueles elos. E os usaria como ponte. Para depois procurar-me. Quebrando portas. Ou janelas.
Dei um grito ameaçador. Para demonstrar estar ligada ao movimento. Mas lamentei saber que uma voz feminina não ameaçaria ninguém. Ao contrário, podia denunciar a minha condição. Sozinha na casa. Seria esse meu medo? Sozinha na casa.
Pulei da cama. Sai correndo. Em segundos, deixara o interior da casa. Acendi todas as luzes. E tentei conter o coração. Disparado tanto quanto eu.
Lá fora, tudo parecia tranquilo. Transparente como um espelho. No qual vi refletido o meu comportamento irracional. Senti vergonha. Quis esconder-me de mim. Será que era vista? Flagrada no desvario?
Voltei. Respirei. Passei para o quarto da minha filha. Sem ela. Mas com sua energia. Cheiro. Aconchego.
Deixei o coração ser apaziguado.
Entendi o recado do medo.
Precisa ser domado. Precisa ser estudado. Precisa que seja olhado com estratégia. Para que, se preciso, faça brotar atitudes sábias. Com poder de proteção. Se necessário.
Adormeci.
Acordei abraçando o medo. Jurando a ele ter entendido o seu recado. Ao mesmo tempo em que me convencia disso. Uma lição era suficiente. Ele, o medo, estava em mim. Mais do que nas externalidades. Estava no poder da mente. Na fragilidade da mente. Na facilidade em atrapalhar-se. Entorpecer-se. Criar situações. Para me testar.
No primeiro teste. Não passei. Mas errar uma vez, dizem, é humano.
E sou. Humana, demasiada humana.
Mulher do futuro.
Preparando-me para as noites vindouras.
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