Recebi de muita gente o anúncio da Etna sobre a decisão de abolir o termo ‘criado-mudo’ de suas lojas por ocasião do ‘Novembro Negro’. Agora é o que mesmo? Mesa de apoio? De cabeceira?
O reclame ouve pessoas negras – ao que me lembre todas demonstraram desconhecer a origem do termo – o que pode passar a mensagem subliminar de que elas estão aí buscando reparação, antirracismo, representatividade, equidade. Mas não sabem de sua história.
É isso mesmo. A história foi mal contada. Apagada. Silenciada. Agora é que ela está saindo do armário. Ou do criado-mudo. Por resistência e existência de muitos. De muitas. Pretos e pretas.
Na primeira vez que o vídeo parou no meu WhatsApp eu não o abri. Vinha com um texto falando que era da Etna. Que era maravilhoso. Revolucionário. Antevi que não era amor, era cilada.
Repeti o gesto diversas vezes. O de pular o play. Até que fui vencida e abri o arquivo. Vi as imagens. Legais. Impactantes. Benevolentes. Importantes. E ao final e no começo e sempre, vazias.
Lembrei que da última vez que me arvorei a entrar na Etna, sim, gente preta faz uma pré-seleção de ambientes para frequentar, muito embora nem sempre acerte nos palpites de que em tal lugar não haverá o segurança-amigo andando lado a lado conosco.
Ou a vendedora solícita que anuncia logo um preção de algo (sem ter sido perguntada) para você se mancar e sair dali.
Da última vez que me arvorei a entrar na Etna. Não me senti muito acolhida.
Estava acompanhada por minha filha. Domingo à noite. Loja vazia. Mal coloquei os pés. Surgiram os olhares. E as perguntas que deixam a pulga atrás da orelha. São permeadas por expressão de desconfiança. Não aproximam. Enxotam. “Posso ajudar em alguma coisa?”. Era a moça do caixa.
“Não. Ainda não. Se eu precisar, aviso. Tá bom?”
E fiquei naquela dúvida que a gente fica. Isso era racismo? Ou pulga atrás da orelha?
Então se a Etna falasse para todos os seus funcionários para não pré-julgar. Não olhar com cara de detector de metais. Não achar que gente de pele preta rouba. É pobre. E não vai comprar. Por isso não deve estar lá.
Se a Etna desse uma aula sobre a colonização, a escravização, a abolição. E alertasse de como as relações se construíram no país a ponto de sim, ser verdade, que muita gente preta não vai ser a que comprará a cadeira que a loja vende. Ou o ex-criado-mudo.
Por não ter dinheiro suficiente mesmo. Ganha menos. Não conseguiu estudar. Então, não conseguiu se formar. Ou, se conseguiu, ganha menos. Do mesmo jeito. Ou não consegue fazer dinheiro com seu diploma. Mora nas periferias. É assassinada pelo Estado. É vítima de violência obstétrica.
Se a Etna falasse para todos os seus funcionários sobre proletariado. Mais-valia. Exploração. Reforma trabalhista. Das decisões sobre os seus contratos de trabalho. Ou melhorasse suas relações trabalhistas com eles – que desconheço como são, mas imagino que dê para melhorar.
Se falasse um pouco de Paulo Freire. Se empoderasse sua gente, daquele jeito que explica Joice Berth, no coletivo e, a ponto de as estruturas serem modificadas.
Se a Etna tivesse bastante gente preta e parda trabalhando nas lojas. Em cargos de chefia. De gerência. Na produção das peças. Em toda a sua cadeia produtiva. E que esse bastante se aproximasse dos 54% da população negra do país.
Eu acharia muito pertinente sua propaganda do 20 de novembro. E teria assistido ao vídeo todas as vezes em que me foi enviado. Em todas as matérias que falavam de sua viralização. Em todos os reposts. Em todos os compartilhamentos.
Eu sei nada da Etna. Eu sou aquela que mal coloquei os pés. Surgiram os olhares.
Imagem de Gustavo Torres por Pixabay