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LÁ VEM A PELE PRETA

Conversava com um amigo. Ouvia suas narrativas sobre casos de racismo. Em restaurantes da Asa Sul de Brasília. A mesa negada. O pior lugar escolhido, pelo garçom, para lhe dar assento. – E eu de terno, Waleska.

- Não adianta a roupa de tecido. A que cobre o seu corpo é preta. Só ela é vista.

Concordamos.

E eu pensei sobre isso quando saí de manhã cedo para ir à comercial da minha quadra. Voltava. Estava descendo a ladeira. Quando vi uma cena bonita. Uma mulher segurando duas crianças bem pequenas – uma em cada mão. Ao trio, juntou-se uma senhora. Então, lá vão mãe, filhos, avó dos filhos.

Estava quase sorrindo diante da delicadeza quando percebi o assombro. Sutil. É sempre sutil. Tão sutil que pode ficar no espaço da loucura, criação e mimimi – adjetivos com os quais situações como essas são recebidas por alguns interlocutores.

Em um golpe rápido de olhar, a mãe procurou fazer uma varredura em mim. Saber o que carregava nas mãos. Que tipo de arma. Saber o que vestia. De que planeta fome eu viria. Que atitude deveria tomar para salvar-se. E à família.

Eu deparo com esse detector de metal nos olhos e gestos das pessoas todo dia. Em todas as calçadas. Eu sou escaneada. Julgada. Sempre culpada. As pessoas se defendem como podem. Apressam o passo. Viram a bolsa de lá pra cá. Atravessam. Desviam os olhos. Mostram-se tensas. Querem ser espertas. Se antecipar ao sinistro. Não ser pegas de surpresa. Recomendações da polícia como dicas de segurança. Olhar 360 graus.

Às vezes me pego buscando estratégias para transparecer-me inofensiva. Meço meus gestos. Escolho sair de bolsa ou não. Penso no tamanho ideal do acessório para não assustar transeuntes. Evito mochilas. E quando me pego assim. Lamento muito. Por mim. Por todas as gentes que passam por isso. E, muito mais, por todas as gentes que fazem as outras passar por isso.

Eu me chacoalho. Eu me mando acordar. Eu quero gritar: Ei! Eu também tenho medo de você. Eu evito sair de casa. Eu tenho algumas fobias. Algumas sequelas. Algumas paranoias. EU TENHO MEDO. De você. Lobo do lobo do lobo do homem.

Mas você não me fragiliza. Mais. Não dita meus comportamentos. Nem meus padrões estéticos ou de consumo. Não me imponho elegância para acalmar seu coração de fera. Não uso acessórios para ofuscar sua visão preconceituosa. Não preciso olhar as horas. Meu tempo é hoje. Minha bolsa tem papel. Tem lixo esquecido antes de achar a lixeira mais próxima. Tem pedra e sementes e folhas catadas pela filha. Meias infantis sujas. Chiclete não mascado. Moeda sem valor.

Aliás, falando em valor, ele está nessa roupa que me veste por fora mesmo. Aconselho a se acostumar ao tom. Aos tons. Somos muitos. A maioria. Ainda que eu me pegue buscando estratégias para transparecer-me inofensiva. Ainda que fraqueje. Eu me chacoalho. Eu não me fragilizo. Mais. Lá vem a pele preta subindo a ladeira.


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