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FESTA DA CUMEEIRA

Tempo de reforma em fachada de prédio é tempo de paciência. Deduzo que sim. É a primeira vez que passo – e vou passar mais – pela experiência. A senhora que trabalha na portaria me falou que tem um morador “estressado” já. Imaginei que era mais do que isso. Tipo beira de ataque de nervos. Prestes a pular. Fora dali. Ela aconselhava mesmo. Não é fácil.


Acordei dia desses e meus olhos caíram sobre algo novo na paisagem. Dois cabos de aço que iam e vinham a perder de vista – cruzavam toda a distância dos cinco ou seis andares. Só então me dei conta de que eles se aproximavam. Os homens. Os operários. E que elas avançavam. A reforma. A infraestrutura necessária. Para dali serem retiradas todas as pastilhas e janelas – não de antes esconderem delas, das janelas, com tapumes, os homens. Os operários.


Já não faz tanta diferença que a obra não esteja na minha prumada. Seus efeitos se fazem sentir em todo o bloco. Madeirites que escurecem os vãos outrora livres. Uma poeira fina finíssima de dar inveja a top model, cobrindo o ar e as coisas. Escadas encimadas por telhados de madeira. Toda a cara do edifício recoberta de tela verde que faz as vezes de equipamento de proteção. Vaivém incessante. Barulho do tipo que expulsa você de casa e inviabiliza alguns afazeres. Como ouvir o silêncio. Ou se deixar embalar por canção.


Dependendo do estilo de vida – sair de manhã, voltar alta noite – é capaz de tudo isso não causar transtorno. Pensando bem, não há como sair incólume de algo assim. Os carros – sejam de quaisquer cores – estão cinzas. O chão carrega nossas pegadas por metros à frente. Um toque em qualquer parte – corrimão, elevador, interruptor – é certeza de ter as próprias mãos como parte daquilo.


E por falar em mãos, as que fazem acontecer, colocam a mão na massa, possibilitam que o velho e desgastado deem lugar ao novo, são de homens. De operários. Em construção. Como diria Vinicius de Moraes em epopeia de mesmo nome – tão comovente quanto necessária em dias em que olhos embotados enxergam liberdade. Onde há escravidão. Para esses, recomendo que adquiram a dimensão da poesia. Tal qual aquele que disse não. Palavra-ato que transformou em operário construído, o operário em construção.


Vou acordar dia desses e meus olhos vão cair sobre uma obra concluída. Tijolos, pá, cimento e esquadria terão saído da condição de caos para a ordem. Vou respirar aliviada – um ar menos empoeirado, decerto – e pensar no tempo da paciência como a figura de um sábio mestre. Do tipo que ensina apenas com a sóbria presença. Sem palavra. Sem moral da história. As mudanças serão visíveis. E será tudo. O período anterior. Logo esquecido. Para dar lugar ao novo. Assim como fizeram as mãos. Dos homens. Os operários.


Tenho uma amiga operária. De si. Concluímos que por tão grandes feitos. Ela virou canteiro. De obras. Edificações erigidas sobre seu próprio corpo. E espírito. Para lixar cicatrizes. Emassar tristezas. Pintar descoloridos. Derrubar ruínas. Erguer. No patamar. Quatro. Ou mais. Paredes sólidas.


Eu subi no andaime. Para assistir sua reforma interna. O aprendizado em dizer não. Tal qual o operário em construção. Tijolo com tijolo num desenho mágico. Enquanto aguardo o seu término, na verdade simbólico, porque obra de tão grande porte não tem fim. É a viga. É o vão. Para enfim, comemorar. Festa da cumeeira.






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