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A PERGUNTA

Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Pele escura. Pés no chão.


Cabelos ressequidos. Com toques dourados – não de tinturas feitas no cabelereiro a preço de ouro. Mas à custa da falta de vitamina, que dá o mesmo efeito. Barrigas tanquinhos – mostrando ossos e linhas. Não adquiridas em academias de ginásticas, alimentação esportiva. Mas à custa da fome, da falta de nutrientes, que dá o mesmo efeito. Roupas picotadas deixando à mostra partes do corpo. Não por serem modelitos caros, de marcas revolucionárias. Que rasgam o tecido para demonstrar rebeldia. Mas à custa de tempo, capaz de puí-las e esfarrapá-las, que dá o mesmo efeito.


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Olhares feitos do nada. Que trespassam a coisa vista como lâmina afiada. Ao tempo que penetram como fantasmas em paredes. Invisíveis. Indizíveis. Sem expressão. Lâmina afiada, mas sem corte. A carne mais barata do mercado.


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Têm matéria. Mas carecem de alma. Têm um corpo ignorado. Esgueiram-se entre os carros. Não temem a morte. Não buscam a vida. Jogam-se. E gritam. Esfregam suas mãos nos nossos vidros fechados. Balançam os dedos em gesto fugidio que diria se conseguisse: algo. Pode ser uma moeda. Pode ser um gole. Pode ser um golpe. Que me tire desta. Para uma melhor.


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Têm passos rápidos. Como se houvesse pressa. Ou lassidão. Desídia. Como se não houvesse amanhã. A justificar alguma prontidão. Como que flutuam. Como que saem hipnotizados em giros vagos. Obra de algum encantador. De serpentes. Venenosas ao tempo em que envenenadas.


Se alguém dirigir-lhes a palavra. Não há fala. Só vaguidão. O mundo não vale a nesga de voz que teriam a desfiar. Assunto. Não há. Vontade também não.


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Haveria calçadas. Marquises. Túneis. Viadutos. Eixos – inhos e ões. Tesoura. Linha. Agulha. Para costurar-lhes um teto. Um cobertor. Um afago. Um lar. Uma esquina, que seja. Uma passarela, que fosse. Uma barraca de lona. Um teto desabado de rodoviária. Uma sombra de mangueira. Um tronco de pequi. O que fazem todos/tantos/tontos/loucos/santos/quebrantos por aqui?


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Para onde vão as mulheres que não conseguem tostão pelos corpos à venda. Esquálidos. O darão. Se forem solicitados. O frio. Há frio. Ah, frio. Cortante. Truncado. Na madrugada, todo gato é depravado.


E os homens de braguilha aberta. Coçando o saco. Sujos. Empoeirados. Isentos de papeis. De provedores a patriarcados.


Crianças de unhas sujas. Desenxergadas. Por não serem as nossas. Pedindo. Colo. Antevendo afago. Sugando o cigarro. Leite desnaturado que lhes chegam aos beiços ressecados.


Para onde vão os que andam pelas ruas do Distrito Federal?


Assim. Tão desa(l)mados?



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