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A CONQUISTA

Estava ao lado de um amigo enquanto ele escolhia um profissional para a prestação de um serviço para sua empresa.


- Escolhe uma pessoa negra.


- Por que deveria?


- Para diminuir o número de gente preta limpando o chão.


- Isso não é critério para mim.


- Deveria ser.


Isso.


É a cor da pele.


Quando as cotas são instituídas, isso, passa a ser um critério válido. Institucionalizado. E tem evitado que muitos negros limpem o chão. Tem proporcionado a outros muitos serem os primeiros a ostentar, ou apenas ter, um diploma de curso superior. Que estejam rompendo, pela primeira vez, um histórico familiar e ancestral de ocupações em subempregos e funções de baixa remuneração. Levando-se em consideração o momento em que pudemos tentar viver do suor do próprio trabalho. Quando esse suor não servia a outros. Não era misturado a sangue. Dor. Diáspora. Invisibilidade. Sob o nome de “trabalho”. Escravo.


Quando meu pai passou longos dias internado em um hospital de Campina Grande-PB, a única profissional negra que entrou no quarto era a responsável pela limpeza. A segunda era uma médica. Minha irmã. Não fazia parte do quadro. Não conta aqui. Nessa conta. Uma conta que não fecha. Uma conta deficitária. Uma conta cruel. Uma conta que exclui. Uma conta que diminui.


Um dia, em São Luís-MA, ouvi uma história de superação do motorista do aplicativo. Dizia que seu filho fazia faculdade e ainda estagiava. As ocupações tomavam todo o tempo do jovem. Ele reclamava. Mas o pai explicava que valia a pena. Ia se formar.

Mostrou-me a foto do rebento.


Eu respondi: - Isso mesmo. A gente que é preto tem que estudar. Tem que se formar. Isso é luta e resistência.


O homem parou de falar. Cortou o assunto. Com aparente irritação. O que senti é que a palavra “preto” o ferira. Era como se ele retrucasse: - A gente quem, cara pálida? Quem é preto aqui?


E eu gritava. Embora silenciosa – o nosso diálogo não foi retomado. O senhor. O senhor é. Seu filho também. E quanto mais evitar enxergar essa palavra. Quanto mais engolir as letras. Quanto mais sua cor de pele, nomeada, parecer um palavrão indizível. Quanto mais tentar empurrar essa realidade para debaixo do tapete. Quanto mais esconder o sol com a peneira. Quanto mais fingir que ocupa um lugar que não o seu.


Mais será engolido. Mais seu filho se afastará do diploma. Mais será alvo de franco atiradores. Mais será desviado pelas calçadas. Mais será seguido nas lojas. Mais será ignorado. Mais será visto/utilizado/nomeado/usurpado/vitimado/assassinado. Como o preto. Pobre. Que é.


Ouse gritar-se negro. Para ver. O portal que se abrirá. O quanto o mundo o respeitará. Pelo menos o mundo que o habita. Saindo dele. Será mais fácil conquistar. Os outros. Os quatro cantos. Todos eles.


Se naquele tempo eu já soubesse falar. Nosso diálogo não teria terminado ali. Minha voz se faria ouvir. Eu o gritaria negro. E ele ergueria o som como um troféu. Enfim. Eu também tive que aprender. A dizer. Sou negra. E ainda tateio no portal. Tão profundo que vira o mundo.














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