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TALVEZ POR IDENTIFICAÇÃO

Até ali, boa parte do caminho percorrido, nada vira. Não sabe onde estavam os olhos. Em quais cenários se concentrava a visão. Sentido tão necessário ao ato de ir. À ação de dirigir. Até ali, era torpor o que a movia. Sorte foi transpor as distâncias. Intacta. Intactas as distâncias. Já que até ali, era a cegueira – o impulso.


Não sabe por que olhou. Não se revelou o motivo de ter enxergado. Talvez por identificação. O pássaro. Em cena dual. Antagônica. Ou banal. Coisa de pássaro. Rotina de cidade. Vê quem olha. Para cima. Ou quem não está repleto de vazios. Dos tipos que fecham os olhos. E lançam escuridão em tudo o que está visível.


O pássaro pousava sobre o sinal de trânsito. Era possível entender-lhe os contornos. Sombreado que estava pela luz do sol. Ofuscante a ponto de neutralizar o que revelava. E o pássaro aparecia ali, mais por conhecimento prévio do que por se mostrar. Não poderia ser uma estátua. Uma instalação. A intervenção de artistas sobre o dia a dia das selvas de pedra. Era ave. Paralisada sobre o sinal de trânsito. Tomando por árvore. Pouso. Poleiro. A engenhoca parida por homens.


Estava livre. Mas não voava. Estava aberto. O sinal. Mas não avançava. Preferiu quedar-se sobre a linha fina de metal que dava ordens coloridas. Cuidado. Pare. Siga. Não seguia, o pássaro. Quedou-se, de certo estupefato, diante da rotina de seus predadores. De duas patas. Digo, pernas.


Indiferente, não aceitava os comandos. Podia voar. Poderia sempre voar. Já que de liberdades era sua natureza. Estava mesmo de costas. Acima. Da ordem ditada em silêncio. Vá.


Sobre pés miúdos frágeis finos erguia-se. Como pleno. Como gigante. Como águia. Como quem não precisa de momento certo. De consentimento. Como dono de si. Quem poderia julgar-lhe a hora apropriada. De partir?


Quem poderia dizer o quanto de mundo. De quilômetros. De horas de voos. Acumulava. Quem poderia saber-lhe de partida. Ou de chegada. Pronto para entregar-se a novos ares. Ou desistindo da revoada. Quem poderia dizer se iria se atirar para baixo. Queda livre. Da vida libertado. Ou daria o primeiro voo. Para o alto. E avante. Já ensinado. Já possuidor de seu mais poderoso aprendizado.


Como saber. Se o brincante passarinho fazia pouco da sina. Desdenhava da sorte. Confrontava o destino. Parava. Quando podia ir. Dava passinhos como aprendiz em corda bamba. Quando podia lançar-se mundo afora. Fechava as asas, fingindo-as inexistentes.


Quando podia batê-las. E com elas bailar? Sozinho. Espectro estacionado. Quando podia engrenar.

Até ali, boa parte do caminho percorrido, nada vira. Não sabe por que olhou. Não se revelou o motivo de ter enxergado.

Talvez por identificação.




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