Desde o ano passado consulto, com frequência mais ou menos trimestral, o mesmo tarólogo. Assim, ele vem estabelecendo uma espécie de linha do tempo com base na qual aponta evoluções, mudanças, reincidências no meu comportamento. A periodicidade da relação faz com que ele faça as vezes de um psicoterapeuta. Função que o tarô também tem, ao trazer à tona aspectos e arquétipos do inconsciente que, iluminados, podem servir de farol para aprendizado, autoconhecimento, cura.
Uma consulta com ele mexe tanto por dentro quanto uma sessão daquelas puxadas, na sala de terapia. Já chorei. Já contei aspectos da minha vida que não costumo partilhar. A nossa conversa reverbera por dias. Semanas. Meses. De repente, pulula uma frase dita, um entendimento que só então se faz. Pontos são ligados. Coisas passam a fazer sentido.
Vivi, hoje, um momento assim. Em que escutei a voz de Pierre Marcovicz me dizendo, quase em palavras de ordem: “Simplifique os pensamentos”. A sentença me acordou de um pesadelo no qual, acordada, eu os acumulava. Pior, fazia deles uma maçaroca de natureza diversa e pouco elucidativa. Atropelando-os. Ferindo-me. Estatelada que estava entre culpas, pesares, quereres. Passado. Presente. Futuro. Juntos e misturados me apalpando com lanças pontudas, tirando de mim o sumo da culpa. O sangue da impiedade comigo mesma.
“Simplifique os pensamentos”. E então percebi o emaranhado deles a me acorrentar. Impedindo-me de dar um passo que fosse. Névoa embotando minha capacidade de enxergar. Estava quase sendo vencida. Mais uma vez. Quando recebi – em palavras mudas sopradas por bons ventos – o antídoto para o veneno com o qual eu minava minhas forças de então.
Descoberto o segredo do enigma, inimigo vencido. Respirei. Com as mesmas lanças pontudas que me atingiram, cortei todos os excessos. Podei galhos tortos. Desbastei farpas afiadas. Esvaziei-me de tudo. Busquei estratégias que me fariam olhar-me com orgulho. Procurei fazer uma lista mental de tudo o que esperava de mim naquela manhã. Lutei com os monstros da procrastinação. Acalmei o coração que ensaiava batidas sintomáticas de ansiedade. Terminei a primeira parte do dia me felicitando com parabéns imaginários.
Sem cavalos esfalfados. Sem mortos ou feridos. Sem adversários visíveis. Sem bombardeios aéreos. Sem balas de canhão. Sem fardas. Aliados. Tratados. Acordos sorrateiros entre as partes. Sem nada que deixasse antever a batalha recém-terminada. Declarava-me vencedora. Eu havia lutado. Pelejara com oponente insidioso. Bicho esquisito de ficção cientifica. Que conseguia se imiscuir na minha mente. Transformar-se na minha pessoa. Com o objetivo repulsivo de me aniquilar.
Ergui os braços como gesto final. Vitória.
Como prêmio, as palavras continuaram ecoando: simplifique os pensamentos.