Estava lá. A propaganda. Poltrona do papai. Luxuosa. Muito confortável. Pensei nesse nome e no simbolismo da existência de um objeto assim denominado até os dias de hoje. Por mais que os dias de hoje não comportem um papai que reine absoluto em seu tempo livre e que mereça, ao entrar no recesso do seu lar, um artefato feito para ele. Para que possa sentar-se. Deitar-se. Espreguiçar-se. Esticar os pés na poltrona que ou se molda para este fim ou tem um banquinho auxiliar. Uma poltrona para o papai não ser incomodado. Até que chegue o horário da próxima refeição e ele seja chamado para ocupar outro lugar, de destaque, à mesa.
O papai trabalha muito. Não deve ser molestado. Tem direito ao descanso. A desligar-se de tudo o que é comezinho nessa vida. Ao entrar em casa, merece um lugar todo seu. Uma poltrona. Lugar em que possa exercer seu reinado. O trono em que exerce, sem mexer o corpo, o reinado que lhe é destinado pelo fato de ser homem.
O papai já sua a camisa para garantir que tudo corra bem – para que haja comida e todas as necessidades materiais sejam supridas. O papai não pode ser interrompido no tempinho que lhe resta para exercer o nadismo. Para se desligar das preocupações desse mundo. Para poder ver, em paz, o telejornal. E, nos dias de hoje, em que ainda são vendidas suas poltronas, poder também vasculhar a Internet e fazer dali o espaço em que pode viver a vida paralela que oculta dos olhos dos demais. Mas onde também reina. Invisibilizado pela virtualidade. Que também não seja vasculhado o celular do papai.
O papai vive de forma pontual. Entra. Sai. Vai para a grande labuta do mundo corporativo. Quando volta, espera ocupar, sem ser interrompido, o espaço que lhe cabe em casa – materializado naquela poltrona que custou uma fortuna e que ganhou no Dia dos Namorados, porque, afinal, ninguém mais merecedor do que ele, de um oásis no meio do deserto que é um lar.
Senta lá, o papai. Não ergue a cabeça. Não abre os olhos. Não faz mais do que respirar. E que se faça silêncio, no pouco tempo que o papai tem para desfrutar de sua poltrona. Que se apaguem as luzes. E calem-se as vozes. Falemos baixo para não causar distúrbios.
O papai é assim mesmo. Uma coisa de cada vez. A mamãe, não. É polvo. Tem capacidades múltiplas. Como múltiplos são seus turnos de trabalho. À mamãe, cabe a carga mental. Precisa gerir o cardápio. Fazer as compras. Cuidar dos filhos e de suas demandas. Ser a motorista para a escola e atividades extracurriculares. A mamãe desmarca aquela única aula que pretendia fazer. A mamãe garante a quietude para que o papai deite na poltrona feita com exclusividade para ele, considerando todas as suas demandas masculinas. O papai já faz muito, coitado.
A ele, a poltrona. Luxuosa. Muito confortável. À mamãe, outro móvel. Está de bom tamanho. Pode ser encontrado nas lojas de artigos infantis – de todos os preços. Modelos. Materiais. O ideal é que tenha boa ergonomia. Afinal, é a cadeira de amamentação.