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O RELÓGIO DA VIDA

No verão deste ano, meu irmão me chamou para ver uma foto que pipocara na tela do seu celular sob a alcunha de “Lembranças do FaceBook”, e me sentenciou: - Olha como você estava há três anos. Veja o quanto envelheceu.


Ele me receitou algumas medidas para barrar o efeito nefasto do tempo. Tudo começava com o verbo parar. Pare de beber. Pare de fumar. Pare de... A essas alturas interrompi o desfiar do rosário.


Fui reativa ao dizer que não eram somente os meus hábitos os responsáveis pelo envelhecer, nem tão precoce assim. Afinal, cheguei aos 43 (e que bom que seja assim. Não me agrada a outra opção). Mas havia tantas perdas nesse percurso. Tantas dores. Tanto cortes na própria carne. Tantas decepções. Tantos problemas, enfim.


Meu álibi eram as subjetividades. As lutas nossas de cada dia, acrescidas por acontecimentos daqueles que a gente quer pular o momento em que se desenrolaram. Quer desacreditar de sua existência. Quer minimizar a sua fealdade.


Diante da impossibilidade de rebobinar a fita, restou-me lidar com as consequências. Às vezes as evitando. Às vezes as enfrentando. Às vezes sendo forçada a lidar com algumas coisas que, o dito escapismo pisciano, optaria por colocar embaixo do tapete.

Mas o que restou foi caminhar. Parindo a cada desafio, novas fortaleças. Desconhecidas resiliências. Necessárias resignações. Deixando o motor em ponto morto. Ou acelerando-o em improváveis velocidades.


Tudo isso, acrescido aos sinais da passagem dos dias, da soma das primaveras (verões, outonos e invernos), era o que me deixava daquele jeito, eu afirmava. Embora não pudesse assumir que via a mesma diferença gritante entre o que era em janeiro de 2019 e três anos antes.


Foram outras as variáveis que insistiram em esfregar na minha cara o peso das pouco mais de quatro décadas. Ninguém precisou me alertar. Eu vi. Um fio branco acima da testa. Bem exibido. Deixei que ficasse por ali. Mas como fora um, no máximo dois, cortei o mal pela raiz e arranquei, sem dó, com uma pinça, aquela sentença. Ervas daninhas içadas do jardim. E como tal, revoltas. Voltaram a brotar. Fartas. Abdiquei da poda. E hoje cultivo um molho de fios brancos que contam a minha história a quem tiver olhos para ler.


Aí, veio o problema com os olhos. Já alertados de carregarem, cansados, as vistas. Descobri sua falta quando percebi que esticava o braço para enxergar melhor, coisas que nunca haviam demandado esforço. Autodidata, fiz testes inventados na hora, para refutar a verdade. Nada feito. Presbiopia.


Escondi o diagnóstico na bolsa. Por alguns meses tratei como um papelzinho qualquer, a receita do médico. Até que, exausta, aos finais de expediente, e procurando uma explicação para aquilo, lembrei. Do cansaço. Mais um. Entrei na primeira ótica. Resgatei o receituário. Escolhi uma armação. E agora vivo as recompensas pelo ato de coragem.


Sim, meu irmão. Devo admitir. Há três anos eu estava bem melhor. Mas ainda prefiro que o tempo passe comigo nas engrenagens do grande e misterioso relógio da vida.




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