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AS MULHERES. E AS LETRAS

Ana chegou em cima da hora marcada. Caminhou apressada pelo corredor. Voltou. Bateu nos ombros de alguém. Pediu “força”. O que podia significar duas coisas, pensei, atenta que estava à cena: ela quer apoio e solidariedade. Mas precisa também de força bruta. Músculos e disposição masculinos. O moço tocado respondeu com prontidão. Levantou-se. Cruzou o canteiro de grama e chegou ao estacionamento, onde abriu a mala de um carro e voltou com uma caixa na mão.


O conteúdo do embrulho era a razão de ser daquela noite. Disposto em mesa enfeitada com orquídea, um recorte de jornal e um copo com água. Atrás da qual Ana estava sentada. Usava vestido com motivos em vermelho. Cor que também estava em seus lábios e unhas. Ao seu lado, dezenas e dezenas de pessoas faziam fila. Queriam autógrafos nos seus, nos dela, Escritos de Liberdade: Literatos Negros, Racismo e Cidadania no Brasil Oitocentista, apresentado ao público, na quinta-feira (09/05), em Brasília, em um Simbaz Culinária Afro e Bar, lotado.


Muita gente preta. Muitos cabelos de carapinha. De cachos. De afros. De rebeldias encimadas. Muito turbante. Muita roupa colorida. Muitos sorrisos trocados. Muitos encontros. Muito papo. Muita satisfação por vê-la chegar a esse lugar. De onde fala por muitos. Para muitos. Retoma para si e para tantos um direito/sonho/desejo ancestralmente negado.


Ana Flávia Magalhães Pinto é uma pesquisadora. Professora. Pós-doutora. Ana é mulher. Ana é negra. Ana tem origens nordestinas. E mesmo sabendo pouco de sua história sei que tem contornos delineados pela apropriação, por ela, dessas condições/características/identidades/saberes. E também pela decisão de transgredir papeis. Chegar à academia. E chegar às editoras (nesse caso, Unicamp, em edição bem-cuidada). E chegar à Américas. E estar aqui, como se não partira, junto aos seus. Como interlocutora. Como farol.


Ainda na fila, eu pensava em tudo isso. E admirava a cena. De vê-la, com paciência, carinho, nenhuma pressa, se dirigir a cada leitora ou leitor e deixar para ela ou ele, uma mensagem personalizada. Letra bonita. Caneta com tinta também vermelha. Quase debruçada sobre si, movimentava-se sobre o papel. Conversava. Posava para fotos.


Passei pelo ritual. Peguei minhas palavras. Ofertadas na primeira folha do livro. E, ao sair, conheci Maria Estrela. Pele e olhos claros. Conterrânea. Sertaneja da Paraíba. Sutil, parecendo não querer invadir o espaço da outra, mas compartilhando seu público, apresentava, ela mesma, um livro, Mãos que Maltratam (Editoria Autografia). Apertado contra o peito, como filho acalentado. Boa vendedora, falou de preço, de pelejas para concluir a obra, deixou contatos, pediu que fizéssemos uma foto. Contou que está com outro lançamento previsto.


Eu não comprei o livro de Estrela. Disse que meu objetivo naquela noite estava restrito a uma obra, a de Ana. Mas estava feliz por vê-las. Livros em punho. Sonhando sonhos de cultura. De literatura. De conhecimento. De expansão. Disse também escrever. Estar às voltas com a publicação do primeiro livro. Desejei sorte a nós todas. Ouvi desejo recíproco. E vi o quanto estamos grandes. As mulheres. E as letras.





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