Hoje fechei a porta do apartamento 305 da SQN 410, deixando uma oração de agradecimento – pelo ciclo que se encerra e pelo que se inicia.
Há pouco mais de três anos, quando entrei lá, voltava de uma temporada de onze meses na Paraíba, minha terra Natal, com a vontade de voltar a viver em Brasília, cidade que eu escolhi como a minha. Desde 2000 estou aqui.
Voltava recém-separada. Fiquei hospedada na casa de uma amiga por uns dias. Ainda não estava trabalhando. Voltava com uma filha, umas malas e algum dinheiro. Foi com ele que aluguei o apartamento – em uma negociação que se deu inicialmente apenas na base da confiança – esse valor tão frágil, questionado, forte e de raízes profundas quando ganha espaço para se mostrar.
Passei uma temporada com o apartamento vazio. Aluguei uma geladeira e um fogão. Consegui uns utensílios – doados ou emprestados. Minha filha se mostrando grande companheira nas adversidades esteve firme e forte ao meu lado.
Aos poucos, as coisas foram se ajeitando. A mudança chegou. A vida foi ganhando fluxo.
Fiz fazer parte, como amiga e voluntária, da associação de moradores. Local onde exercemos política, prática comunitária e participamos de eventos colaborativos. No 'Gramadão', comemoramos um aniversário da pequena. Também fizemos churrasco e piquenique.
No apartamento, recebi amigos. Comemorei Natal, São João, amizades e afetos, com pequenas festas. Cuidei dele como se fosse a minha casa – pois ele foi a minha casa nesses três anos. Não fiz alterações ou pequenas reformas.
Procurei honrar os meus compromissos, mesmo dentro das limitações, na maior parte financeiras, de uma mulher negra, lutando por espaço, igualdade salarial, boa escola para a filha. Lutando também para vivenciar sua individualidade. E procurando equilibrar vários aspectos da vida – diversão, espiritualidade, relacionamento, profissão, saúde, lazer.
Olhar aquela janela, acompanhar as fases da barriguda, tê-la como cortina, ver passarem na grama e nas árvores, as estações, ouvir o canto farto dos pássaros, tudo isso foram coisas às quais nos dedicamos.
Nunca tivemos intercorrências, como furtos ou algo do gênero, enquanto estivemos aí. Aproveitamos as belezas e peculiaridades da nossa Quadra Arte. Por tudo isso, eu agradeço.
Agradeço também pela oportunidade de sair do apartamento. Isso me impôs a colocar a mão na massa e implementar mudanças que eu já devia ter implementado, como diminuir os objetos, dar destino a coisas guardadas, desapagar, desapegar, desapegar. Deixar que passassem algumas fases ainda petrificadas na forma de objetos e coisas possuídas.
Confesso que está sendo um processo dolorido, trabalhoso, ainda em curso. Mas iniciar a caminhada tem sido renovador. E me ensinado muito. A mim e à filhota.
Sinto muita gratidão, repito, pela oportunidade de entrar no apartamento e, agora, pela oportunidade de sair. Busco sempre me adaptar à impermanência do que vivemos. Minha mãe diz que “só não tem jeito para a morte”. Então, deixemos de coisa, cuidemos da vida.