GRITARAM-NA LADRA
Quando se viu naquela situação, lembrou-se do filme A Livraria. Sentiu-se como aquela mulher. A protagonista que, pelo fato de querer instalar uma livraria em vilarejo inglês de 1950, foi rechaçada até as últimas consequências pelos habitantes do lugar. Mesmo assim, enfrentou os que quiseram impedi-la.
Acolheu os sofrimentos causados pelos inimigos e desafetos que, viram em sua atitude algo que nem conseguiam explicar, para além do fato de que uma mulher viúva não deveria abrir uma livraria, mudando a rotina da cidade que nunca havia tido uma. Fez o negócio prosperar. Por fim, renunciou ao sonho. Foi embora.
Quando se viu naquela situação, lembrou-se do filme A Livraria. Tal como aquela mulher, em algum momento, renunciou ao sonho. Não sem ter lutado. Não sem tê-lo tornado realidade. Não sem ter colocado sua força de trabalho e aptidões em favor de outras pessoas.
Tal como a personagem do filme, era uma mulher. Divorciada. Mãe de dois filhos. Advogada. Gestora. Cuja única falta, ao que parecia era existir. Extrapolar os limites e papeis que a sociedade quer ver cumpridos por uma mulher.
Percebeu – a razão esmaecida em nome de uma crença que, aos poucos, perde o contato com a realidade. E faz da verdade, o que querem dela. Construída em cima de boatos. Achismos. Linchamentos.
Gritaram-na ladra. E atiraram as primeiras e todas as pedras. Sumiram com a prerrogativa da dúvida. A presunção de inocência. Julgaram-na, de forma anônima e protegida pelas redes sociais. Sem critérios. Sem escrúpulos. Sem vergonha. Sem respeito. Sequer por si próprios.
Não tiveram o discernimento de olhar para os fatos e lidar com a situação se atendo ao que era posto. Fizeram da mentira, a verdade. E acreditaram nela. Ao tempo em que rechaçaram e cegaram os olhos diante deles, os fatos.
Muitos não tomaram partido. Outros pediram perdão pela covardia. Alguns ofereceram ajuda, mas fingiram não conhecê-la. Todos provaram do próprio veneno.
Ela, a livreira. Vendo-se condenada sem julgamento, pela maldade de uma plateia incauta. Sedente por imputar culpas. Escolher uma vítima – talvez para esconder e espiar suas próprias faltas, suas próprias desonestidades, suas próprias corrupções, suas próprias deslealdades, suas próprias mentiras.
Queriam um Cristo. Ela se deixou apedrejar. Ergueu os braços abertos. Embora não pudesse, dessa forma, conter as pedras atiradas. Ainda que ferissem mais os atiradores do que a ela. Permitiu. Bradou. Joguem bosta na Geni. Ela é feita pra apanhar. Ela é boa de cuspir. Se sabia. Bendita Geni.