Sobre o amor. Tem dúvida. Aos últimos “eu te amo” que ouviu, sobrevieram pesares. Dores. Ficou com raiva da palavra. Sua fluidez. Sua permeabilidade. A possibilidade de uso irrestrita e despudorada. Podia ser atrelada ao significado. Ao sentido. Ao sentimento.
Com que facilidade se diz isso. Com que desfaçatez se passa para a próxima pessoa a ouvir o engano. É como o aviso que vibra na mão do consumidor. A comida está pronta. Prato feito. Sabor predeterminado. Sem surpresa. Nem desvio. Vai ser devorada. Bom apetite. E os restos, largados. É assim. Porque é. Eu te amo.
Sobre o amor. Não sabe mais nada. Se tem para dar. Se já o recebeu de forma genuína – nem que eterno enquanto durasse. Porque dura pouco. E já logo se repetem as palavras. E logo já a fila anda. Mas paira. Porque se repetem os gestos. Os sorrisos. O padrão. O método. Eu te amo.
Sobre o amor. Pensa que veio sempre violento. Que sempre foi violentada. Cadê o celular para ligar 180? Aos afetos, sobrevieram descasos. Destroços. Desumanidades. Indiferenças. Sopapos. Traições. Palavrões. Insidiosas formas de ser posta embaixo do tapete. Afastada com(o) um cale-se. A superficialidade fingindo-se encontro. Jurando profundidade. Para afogar o outro em mar de silêncio e desfalques.
Sobre o amor. Está cansada. E com visão ampliada. Perscruta cada cena representada e enxerga o cacoete. O improviso. O que não estava no script. A cortina se abre. E as coxias, desnudas diante da plateia, mostram o que se pretendia esconder. Os escombros. Os escândalos. Os descalabros.
Sobre o amor. É por isso que sua garganta está escangalhada. Tão obstruída quanto supostamente libertada. Nunca, ali, pode assumir seu lugar de fala. Todo o dito foi recebido como se da boca pra fora. Quantas vezes não houve resposta. Quantas vezes foi atropelada por argumentos melhor arranjados. Tanto precisou repetir. Arguir. Explicar. Implorar para ser considerada. Maquiar a contrariedade dissimulada. Repara seu querer engavetado.
Sobre o amor. Quer passar sobre ele. Empurrando com braços de ferro tudo o que for inventado. Tudo o que é apenas o outro lado. Não sabe ainda se quer vivê-lo. Se quer acreditar. Chamam-no imprescindível. Imagina o lugar perfeito para um sentido que não seja obliterado.
O amor. Vez em quando se imagina deitada nos seus braços. Braços de amor não são tentáculos. Ame-o e deixe-o livre. Para amar. Que não seja amargo o sabor da fruta mordida. Já cuspiu tanto veneno para evitar ser engolida. Precisa saber se ainda acredita. No sentimento. Não na palavra mal dita. Maldita. Agora, se percebe fortalecida. Não vai morder a isca.