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TUDO AO MESMO TEMPO AGORA

Será que uma frase de Guimarães Rosa se desgasta? Pensei nela como uma tradução do que queria escrever. Logo me mandei uma reprimenda sob o argumento de que é demasiado usada. Mas o que fazer se é mesmo assim. A vida. “Esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta”.


E se o que ela quer da gente é coragem, que trabalhemos duro para satisfazer o capricho. Para limpar as cinzas de sobre nós. Soprando-as para antever o que está por baixo. Fazer aparecer a brasa. Esquentá-la. Ver suas labaredas finalmente subirem. Com seus azuis. Seus laranjas. E amarelos. Seu fogo. Que arde sem se ver.


Acompanho minhas oscilações frente à vida. Os momentos de desânimo. Desesperanças. E os seus contrários. Quando tudo é fácil. Simples. Agitado como um samba. Sutil como um choro. Morno como uma bossa nova. Quente como uma Jamburana de Dona Onete. Trânsito interno intenso. Mas fluindo. Como fazem os carros em vias expressas matinais.


Tenho minhas estratégias. Por vezes, funcionam. Noutras, desabam sobre mim. E vou. Debatendo-me sob forte correnteza. Mantendo para fora os braços agitados. A boca e o nariz afoitos por um sopro de oxigênio.


Até aparecer, atônita, na outra margem. Onde encontro o sol. A luz. Ainda que em pequenos riscos. Rasgando copas densas de florestas imaginárias.


Há os dias em que sumo. Desapareço de lugares que não sejam obrigatórios na minha rotina. É quando afogo-me dentro da própria alma. É quando tento desemaranhar teias internas. Resistentes como as que fazem o bicho da seda. É quando tento extrair do silêncio e da solidão, a paz e o prazer da solitude.


Quando o espaço físico ajuda. Quando é final de semana. Quando posso sumir entre quatro paredes, é melhor. Mas são poucas essas vezes. Desafio mesmo é sumir. Estando presente em todos os compromissos. Tornada visível. Sorridente. Bom dia para o senhor também. Criando no dentro, o lugar que desejava estar ocupando. Ou o não lugar.


Por vezes, todo o meu desejo se concentra e se limita e se atém ao querer sumir. Das vistas. Alheias. À necessidade de calar. De não ter compromisso. Nem jornadas. Duplas. Triplas. Múltiplas. Não ter que projetar um dia inteiro. Uma semana toda. O mês completo. O luxo de permitir a cada dia sua agonia. Sem antever. Sem me precaver. Sem prever. Sem curar com antecedência os males que podem advir do desconhecido. Sem atacar todas as frentes. Coisa pouca, essa. Ninguém me convence do contrário. Mas tão impossível.


Como segurar o galho partido que aponta na correnteza? Como pairar. Firme. Forte. Enquanto as águas rolam? Como ser a pessoa mesma – saber o que é de agora – para vestir, para pensar, para comer, para beber, para amar, para descartar, para refletir, para ler, para usar, no meio da tempestade? Enquanto se busca com sofreguidão e esperança cega e desenfreada, a bonança. O céu aberto. O azul-acalento-acalanto.


A vida. Esquenta. Esfria. Aperta. Afrouxa. Sossega. Desinquieta.


Tudo ao mesmo tempo agora.


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