Cheguei de viagem. Não chovia. E, pelo horário, três da madrugada, considerei que era já uma boa notícia. Eu tinha duas malas pesadas. Uma mochila nas costas. Uma bolsa a tiracolo. Concluído o percurso que me levaria em casa, teria três lances de escada a vencer. Como eram três da madrugada. Ou um pouco mais, considerei que o tempo limpo era já uma boa notícia.
Bem alojada no carro chamado pelo aplicativo, suspirei. Em seguida, quis dizer uma frase-jargão. Parecia útil naquele momento. “Viajar é bom. Mas voltar é melhor”. Ela foi silenciada no momento em que já sopravam em meus lábios os primeiros movimentos que a fariam soar.
Pareceu-me limitada. Apesar de verdadeira. Ademais, seria forjar uma intimidade com o motorista. Ele já se mostrara ser de poucas palavras. Quando pedi notícias de como estava aqui, limitou-se a dizer que tudo corria bem. Era pouco. Mas considerei suficiente. Tive medo de que desandasse a falar de política e esfregar na minha cara que agora estava melhor do que nunca.
Venci as escadas. Arfando. Com as mãos doloridas. Olhei ao redor. Abri a geladeira. Acendi um cigarro. Fiz um café – ele não tem o poder de tirar meu sono. Pensei em disparar recados sobre o meu paradeiro. Cheguei. Foi tudo bem. Estou em casa. Não o fiz. Agora, já eram perto das 4 da manhã. As pessoas podiam passar sem saber de mim.
Senti um bafo quente de coisa guardada. Vi pratos na pia. Água parada e suja em alguns utensílios bojudos. O cheiro não me agradava. A poeira se fazia sentir sob os meus pés, agora descalços. E em todo o ambiente. Comecei a espirrar.
As plantinhas haviam sobrevivido. A cama estava desforrada, ainda demonstrando a pressa com que a deixei da última vez. O banheiro tinha marcas de creme dental na pia. Aqui e ali, objetos jogados.
Apesar do cenário pouco convidativo, disse a mim mesma, dessa vez. Viajar é bom. Mas voltar é melhor. As últimas horas tinham sido tensas. Precisei de algum esforço para domar o coração e fazê-lo bater no ritmo normal. As horas que antecedem um voo têm esse efeito sobre mim.
Passo na cabeça, como num filme, as notícias dos acidentes aéreos de que tenho notícia. Penso se há tempo ou não para desespero e despedidas silenciosas ante um desastre. Não quero deixar minha vida num avião. Me poupe do vexame de morrer tão moça.
Também não quero lidar com os volumes que tenho comigo. Tento esconder-me deles e vice-versa. Será que um dia aprendo? Será que um dia consigo viajar com apenas dez quilos, em bagagem de mão?
Mantenho essa esperança. Ao tempo em que me julgo. Sei que uso tão pouco do que levo. Sei que não se precisa de muito na vida. Só respirar. Só levitar. Pouca bagagem. O valor que paguei pelos volumes – me renderia outra viagem. Mas me deixei assoberbar pelas coisas. Será que um dia aprendo?
O sono vai chegando. Reluto em aceitá-lo. Penso no que poderia fazer para aproveitar aquelas horas. Já poderia me considerar acordada. Mas o café não mudou nada. E eu caio na cama desalinhada. Faz calor. Não vejo o ventilador. Tampouco quero abrir a janela. Isso aqui está pior do que o nordeste, penso. O corpo vai pesando. E adormeço. Talvez sorrindo. Pensando que sobrevivi. Repetindo o que venho sentindo nas últimas horas. Viajar é bom. Mas voltar é melhor.