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VERMELHO-SANGUE NAS BOLAS DE NATAL

Estava passeando pelo Facebook quando vi de relance a postagem de Joana Prudente. Dizia ter sido convidada a montar uma árvore de Natal que seria exposta no aeroporto de Brasília como parte de um projeto. Pensei se era ela quem assinava ou compartilhava de alguém.


Vi as imagens que publicara junto. Reconheci uma. Detive-me sobre o que Joana tornara público nas Redes Sociais. Tratava-se de um texto dela. Sobre um trabalho assinado por ela. Artista. Mãe. Aluna da escola da vida.


Chorei. Passados seis meses, o assassinato de Marcos Vinícius da Silva, menino negro de comunidade carioca, crivado de balas policiais, não havia sido esquecido por Joana. Não tinha se juntado a tantos e a tantas coisas que vemos desfilar nos noticiários. Algumas nos mobilizam. Por algum tempo. A velocidade da luz de nossos sombrios dias trazem outras e mais outras. E vamos esquecendo os protagonistas destas histórias que, ademais, são fáceis de obter nossa piedade. E nosso esquecimento.


Joana não havia esquecido. Bordou como sabia fazê-lo a pergunta última feita pelo menino. “Eles não me viram com a roupa da escola?”. Perfurou, ela mesma, como sabia fazê-lo, simulações das balas, centenas, que circularam naquele dia nas imediações de onde estava Vinicius. E ele estava em casa. No lugar onde morava.


Por que diante da mãe, ele usou sua última força, as que seriam suas últimas palavras para dizer algo tão contundente de um álibi que talvez fosse o único para um menino negro de comunidade carioca?


A escola. O lugar seguro. O que asseguraria, no seu olhar crédulo, a ocupação de outros espaços, quem sabe. Mas essa certeza não cabia em outro lugar que não fosse sua inocência.


Fora de seus desejos infantis, sobre os quais pouco conhecemos, os adultos ávidos por crivar de balas meninos negros em suas comunidades cariocas, jamais interpretariam no seu uniforme a sua pouca idade. Sua vontade de viver. Seu direito de viver. A prova estampada no peito. Era um estudante. Não era alvo. Sua pele também não era alva. Foi alvejado. Vinícius.


Joana, como narra em texto, ornou sua árvore também com um espelho. Como que convidando a cada um que, ao se ver, não esquecesse. De Vinícius. De si. Da responsabilidade pelo assassinato de um menino negro morador de comunidade carioca.

Joana Prudente chamou seu trabalho de Mámatchka, em alusão a um conto de Dostoiévski. O fez como um chamamento literal da palavra mãe, na tradução do russo. A mãe de Vinicius viu seu filho partir. Com um buraco no peito. Na blusa da escola. Na carne.


O dele, tirou-lhe a vida. No peito da mãe, o buraco segue aberto. Engolindo e engolido por mágoas. Dores. Saudades. Vontades. Questionamentos. Injustiças. Esquecimentos.

Joana ouviu de jovens que passavam pelo lugar a pergunta se fazia um trabalho escolar. Ela considerou que sim. Devido ao que considerou certo amadorismo na técnica. E ela fez aquela árvore mesmo assim. Talvez a que não quisesse ser vista. Mas Joana. Artista. Mãe. Aluna da escola da vida. Não esqueceu. Não esqueceu de Vinícius. Nem da Mámatchka dele.


Seu bordado vermelho. Sangue. Bolas de um Natal que não é para todos. Mas é da maioria - a que esquecemos. A que não enxergamos quando nos olhamos no espelho. A que corre riscos. A que se pergunta, no leito de morte, “ele não me viu com a roupa da escola?”


Foto: Joana Prudente/Divulgação


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