A notícia estava em jornal paulistano e me animou. Coisa rara hoje em dia é sair com boas sensações de uma leitura desse tipo. São Paulo fez sua primeira prisão por ‘crime de importunação’, recentemente tipificado. Prática de ato libidinoso na presença de alguém sem que essa pessoa dê seu consentimento. Previsão de um a cinco anos de confinamento. Serve para os desavisados que fingem dormir enquanto tocam mulheres em transporte coletivo lotado. E serve para tantas outras atitudes enquadradas agora como ‘importunação’.
O alívio da boa nova durou pouco. No periódico carioca, a informação (recorrente) de que homem se passa por motorista de aplicativo e estupra uma passageira. E eu grito para dentro: Deixem nossos corpos em paz. Deixem que tenhamos nossas vaginas sem que isso represente um risco a todo instante. Escolham outro algoz, outro crime, seus bandidos. Ou seus mocinhos travestidos.
É. Os mocinhos, desses que fazem parte da nossa convivência ou que entram em nossas vidas fingindo querer fazer parte da nossa convivência, também têm praticado sua importunação descarada. Também têm nos atacado. Ferido. Sangrado. Enfiado mãos sorrateiras por dentro de nossas almas. Deixado um rastro de destruição. Apatia. Descrença. Fealdade.
Chegam como quem não quer nada. Permanecem como quem quer tudo. Vão-se embora como quem não existiu. No silêncio insidioso que estupra nossa vontade de viver. No grito oculto que fere nossos tímpanos.
Nossos ouvidos querem ouvir verdades. Nosso corpo quer ser recostar com entrega e confiança. Não precisamos dormir com o inimigo.
Não há tempo para nos recompor. Não aguentamos mais ouvir que é possível ressurgir das cinzas. Que devemos nos desconstruir. Deixar ir. Aprender com o erro. Crescer com ele. Desapegar-se. Que amanhã, outro dia.
- Quantas vezes mais? Pergunta-me uma amiga.
Ora, mocinhos travestidos, deixem de desfaçatez. Melhorem. Tenham responsabilidade afetiva. Tirem a carapuça de ‘agressivos passivos’ que tanto lhes cabe (o conceito, outra amiga me apresentou). Encarem as supostas fragilidades – ferindo a si mesmos. Incorram em contravenções usando a própria subjetividade. Nos deixem em paz. Deixem em paz nossas vaginas. Tirem as garras das nossas almas.
Engulam seus silêncios. Enfiem suas mentiras. Masturbem seus enganos. Gozem na falta de caráter. Penetrem a infidelidade. Osculem a deslealdade. Endureçam suas fraquezas. Receitem Viagra para o papo mole. Tirem a camisinha do cérebro. Empreendam relação abusiva com suas sombras. Empalem o mau-caratismo. Soquem no próprio olho. Chupem o degredo. Se toquem. Fodam-se. Fodam-se todos.
Nos deixem em paz. Deixem em paz nossas vaginas. Tirem as garras das nossas almas.
Nosso corpo quer ser recostar com entrega e confiança.