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A BOCA DO INFERNO

A história se deu em manhã ensolarada de segunda-feira. Hora de regar a erva que crescia viçosa em canteiro bem-arranjado em cima de uma estante de repartição pública da Esplanada dos Ministérios. Face à estatura da cuidadora, foi necessário ficar de ponta de pé para acertar o copo com água redentor – em tempos de seca causticante no Cerrado – que iria refrescar as folhas recém-nascidas.

Foi nesse gesto – calcula – que deve ter aberto a boca de forma involuntária. Aliás, não entendia porque isso acontecia. Isso de os lábios seguirem o resto do corpo quando está em uma atividade mais pesada ou que exige concentração.

Calcula que estava de boca aberta e repete a cena para que todos possam opinar sobre a viabilidade da suspeita – porque só isso poderia justificar o que aconteceu em seguida. Em um segundo, ou menos, percebeu que engolira um mosquito. E que ele seguiu, vivinho da silva, direto para sua garganta, de onde teimava em não sair.

Ela assegura que sentiu, goela abaixo, todo os movimentos do inseto. Acompanhou seu itinerário indesejado até que, resolvida a acabar com passeio tão desagradável por suas entranhas, começou a tossir com toda a força possível no intuito de cuspir fora o visitante.

Tentou uma rajada de tosse. Nada. Veio outra. E mais uma. Até que seus olhos, ressentidos dos gestos bruscos, passaram a chorar. Reclamavam, decerto, daquela situação que já se demorava mais do que devia.

Veio, num lampejo, a ideia que poderia devolver à manhã ensolarada sua modorrenta rotina de segunda-feira. Em que não fazia parte engolir mosquito e senti-lo pulular garganta adentro.

– Se fosse para acertar, ele não daria conta. Concluiu.

Em passos rápidos, seguiu em frente. Empurrou com gesto vigoroso, indicando que não poderia ter interlocutores no meio tempo, qualquer um que apareceu em sua frente durante o curto trajeto.

Encarou a missão com a gravidade merecida. Venceu a distância que a separava da mesinha transformada em objeto de desejo. Abriu a garrafa com um só giro.

Depositou o seu conteúdo em copo descartável quase derretido pela temperatura do que foi vertido.

Café quente. Engolido com voracidade. Varrendo do mapa, tal lava de vulcão, qualquer vivalma que por ventura ali estivesse. Se não foi por bem, haveria de ser por mal. Os sacolejos miúdos que transformavam sua vida, cessaram.

Sorriu. Certa de ter escolhido o método de extermínio adequado.

O maldito morrera. Sentiu-se como quem tem a boca do inferno.


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