Chegou a encomenda que não pedi. Diretamente. Por palavras. Justo por isso, esperada.
Eram três pacotes. Retangulares. Cobertos com papel manteiga. Bem lacrados. Ainda com reforço de sacos plásticos. E onde havia espaço, uma letra azul dizia: Waleska.
Aquele presente encantava-me há tempos. Posto que se repete a cada oportunidade propícia.
Eu sabia o que havia ali. Mas brincava de adivinhação. Nesse tem isso. Naquele tem aquilo.
Para ser certeira, bastava um toque acurado. Uma passada do embrulho pelas narinas. Um rasgo desaforado na primeira esquina.
Mas eu preferia enxergá-los fechados. Por um tempo. Enquanto fervia a água do café, pelo menos.
Aí, pensava nos percursos. Reais. E afetivos.
No início, o verbo.
- Quando você viaja? Vou mandar umas coisinhas.
O viajante não tinha opção. Aquilo era missão que já nascia cumprida. Era ordem. Não doação.
Calculado o tempo hábil para os preparativos, restava dar início ao ciclo.
Na véspera, ligar para Seu Changa. Não me pergunte se é esse mesmo o nome do homem. Ou se é assim que se escreve. É assim que ouço. E que o chamo. Se preciso for.
Encomenda feita pelo telefone, esperar atento ao sinal do motoqueiro no portão. O homem traz o produto fresquinho, direto da Feira Central de Campina Grande. O queijo, então, fica guardado até o momento de receber embrulho mais reforçado.
Hora de checar se todos os ingredientes do bolo estão lá.
Os temperos – cravo, canela, café, erva doce, se denunciam pelo cheiro.
A castanha fica mais escondida para evitar desfalques. É escolhida uma a uma. Precisa ser de dois tipos – inteiras e viçosas, para as que serão decorativas. As quebradiças e mais queimadas, moídas, vão nas entranhas da massa.
A massa, essa não se pode esquecer. De mandioca. Tem que ser fresquinha.
Cheirada e espedaçada com os dedos antes de escolhida. Não dá para comprá-la com muita antecedência. Se não, passa.
Coco fresco, leite de coco engarrafado. Chocolate em pó. Rapadura para o mel feito em casa mesmo. É preciso reparar no ponto, enquanto a barra se dissolve no fogo quente. E borbulha, exalando mais um dos odores peculiares daquela preparação.
O bolo é uma alquimia.
Passa por diversas fases de textura. Espalha um sem-número de perfumes.
Finaliza-se como um creme denso. Cor de pele escura. Cara de iguaria.
Ainda sem ter ido ao forno, recebe as castanhas enfileiradas – serão disputadas a tapa. Cada falta será denunciada por um buraco, quase carcaça. Há quem as roube.
Já no forno, é preciso olhar atento e faro apurado. Um minuto a mais. E todo o trabalho está ameaçado.
Depois de frio, recebe ele também, seu cuidadoso pacote. Seu nome é pé-de-moleque.
Vai cruzar distâncias. Virar companhia de queijo. Alegria de filha ausente.