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COMO SE FOSSE PÁSSARO

Na rua, olhei para o prédio e não vi nada além do que suas paredes. Dispostas tediosamente. Com as mesmas imperfeições. Manchas. Fissuras. Poeira incrustada. Cores desbotadas.

Olhei para o chão. Calçadas esburacadas. Quebradiças. Pintadas aqui e ali por objeto qualquer que deveria estar na lixeira. Mas ao contrário compunha o cenário. Instalação a céu aberto.

Olhei para os lados. O ar não circulava. O vento silenciara os sopros. As folhas inertes faziam as vezes de peças de museu. Vez por outra, uma escorregava da copa da árvore que lhe parira, em ziguezague preguiçoso. Desprovido de emoção.

Encarei as pessoas. Zumbis de videoclipe americano. Fisionomias insípidas. Olhares tristes. Mórbidas. Arrastadas por alguma força tão desconhecida quanto inútil. Saiam de suas casas sem saber a razão. Caminhavam passos arrastados.

Desviavam de seus pares ao menor sinal de encontro. Baixavam a vista ante a possibilidade de trombar com outro par de olhos.

Eu não era apenas observadora. Pisava aquela rua. Olhava aquele prédio. Sufocava-me com aquele ar. Evitava qualquer contato com os circundantes.

Percebi. Meus olhos embotados de cimento e lágrimas padeciam da falta de. E careciam do olhar de. Janine.

E então o que seriam daquelas paredes – renovadas pelo zoom da ótica do pensar de Janine. Seriam deslocadas do seu alicerce e voariam. Se despedaçariam em fragmentos/luz que poriam em dúvida sua matéria. Seu estar no mundo.

Aquele buraco – portal. Sombra de gente. Jardim de mato único. Pé de pau renitente. Resiliente. Rasgando paralisias. Fenda para o terceiro olho. Insondável mundo novo.

O vento. Lufada. Tufão. Rajada. Visível. Oco pulsante para o bailar embriagado de folhas entorpecidas por alegria sem nome. Sem necessidade de explicação. Vindas de baile funk iriam até o chão sem desistir de saracotear os quadris/veios até encontrar repouso. Mas nem por isso desistir do baile.

As pessoas. Agarradas pelos cabelos em olho a olho, dente por dente. Sem medo. Desconfiança. Entrega. Aceitação. Suas rugas. Minuciosas. Seus tons. Escancarados.

Suas fraquezas aturdidas por holofotes acesos. Suas forças erguidas em punhos de aço. Desnudas. Flutuariam. Leves. Sem peso. Sem os pesos. Valsinha de Chico.

Onde estava o olhar de Janine para me tirar da realidade vil? Meus olhos embotados de cimento e lágrimas.

Mãos afogadas que se erguem em busca da redenção. O desespero no querer emergir. A salvação.

No entanto.

A vida era apenas a vida. Um passeio pela Esplanada dos Ministérios, caminho para encontrar mazelas. Próprias. Todas.

Tivesse de volta o olhar de Janine.

Dançaria. Gargalharia.

No ar.

Como se fosse pássaro.

Janine Moraes

Janine Moraes


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