Para entender o seu amor precisaria não o ter vivido antes de entendê-lo.
Sina do bicho homem sair atropelando as coisas. Carro na frente dos bois. Manada solta na relva.
Para entender o seu amor precisaria de paciência. Dias e dias de silêncio. De cio.
Não, cio, não. Esse deveria ficar para depois do entendimento.
Mas veio antes.
Sina do bicho homem sair atropelando as coisas. Mão nas entranhas. Cheiro sentido. Gozo. O banho longo. O champanhe. O abraço incontido driblando o ponteiro do tempo.
Para entender o seu amor precisaria não ter ficado tão perto. Não ter dado o meu paradeiro. Fechado os olhos ante sua chegada.
Para entender o seu amor precisaria ter renegado suas palavras. Distorcido sua voz. Segurado suas mãos impedindo o gesto vindouro. Arrebatador.
Para entender o seu amor precisaria não ter esperado que fosse meu o seu amor.
Precisaria não ter pedido. Não ter acreditado. Não ter insistido na crença de que o seu amor havia sido talhado na sua carne e pintado com seu sangue para entrar na minha veia e me tornar poesia. Mulher amada.
Sina do bicho homem sair atropelando as coisas. Varar madrugadas ao seu lado. Rogando aos céus que fosse coisa de vida toda e não de noitadas.
Para entender o seu amor precisaria traduzir o que você dizia como tolice. Loucura. Insanidade. E era. Mas na tradução pouco qualificada soava tudo como a vã sabedoria dos deuses. Imprescindível a uma pecadora ávida por remissão.
Sina do bicho homem emprenhar pelos sete buracos da minha cabeça. Com a voz cheia de lascívia e sêmen jorrando futuro. Olhos. Boca. Narinas. Orelhas. A sua presença.
Para entender o seu amor precisaria de um farol. Iluminando o que se vê ao longe. Ao largo. Sina do bicho homem usar lupa, microscópio.
Para entender o seu amor precisaria de ausência sua. De paciência. Sabedoria. Para ver de cima a sua natureza. O seu veneno.
Para entender o seu amor precisaria que ele morresse. Transformado em semente. Inerte. Fingida. Fértil.
Para entender o seu amor precisaria que um de nós morresse. Para ser metade. Meio tudo. Meio terra. Meio mar. Para ser inteiro. Mas apenas no final.
Para entender o seu amor. Um amor que não soube ser o que se espera de um amor precisaria de fé cega. Faca amolada.
Sina do bicho homem sair atropelando as coisas. Desrespeitar a vontade própria de um amor que não precisa ser o que se espera dele e, de resto, não se espera de qualquer outro amor.
Para entender o seu amor precisaria de vazio. De afastamento. De você onde está. E eu onde estou.
Qualquer coisa que não seja isso desintegra e atualiza a minha presença.