Abaixo do vestido de noiva não havia tapete vermelho. Nem placas de vidro emoldurando pétalas de rosas. Não havia rosas.
À passagem da noiva não irrompiam delicados efeitos de luzes.
De paredes e teto não pendia o efeito suntuoso de milionários projetos de decoração. Não havia paredes e teto.
Havia o território. A comunidade. As árvores. As casas de palha. A capela de alvenaria. Tempo a céu aberto.
Para pisar o chão batido que levantaria pó não fosse a chuva que caiu naquele dia, ora sendo abençoada, ora sendo maldita, os noivos atravessaram antes as águas.
Do rio.
À espera da noiva não havia sacerdote. Nem formalidades.
Apenas tradição.
Os convidados chegaram a esse não lugar por suas próprias pernas. Nada de disputar a marca mais cobiçada e o modelo mais novo de carro. Não havia carros.
Vestiam as roupas de festa. Que não passavam das melhores roupas do dia a dia.
Não havia cores exclusivas. Tudo era permitido. Até as chinelas de dedo.
O dia era solene. E isso se via nas fisionomias.
Da noiva o vestido era branco. Ou amarelado. Não se se sabe se já vestiu outras nubentes. Ou se foi feito para Cinaira.
Dalvan estava como manda o figurino. Terno escuro. Gravata de nó frouxo. Torto. Sapatos um tanto puídos, vermelhos de barro.
Jovens ainda – 16 e 19 anos – seguiam as coisas do seu lugar. Como tinha de ser.
Uniriam os lábios dando ápice ao consentimento dado à união em frente à fogueira – item obrigatório para ocasião como aquela.
Titina e Zezinho, pais de Cinaira, deixavam antever uma ponta de saudade do rebento antes das modas do casório.
Entregavam de bom grado a filha ao companheiro. E como estava bonita de ser ver. A força. A pele preta. Lábios vermelhos. Brincos pendentes das orelhas. Colar no pescoço. Enfeite na cabeça. Véu escorregando pelas costas.
O sorriso.
As três flores do mato – uma branca, uma vermelha, uma amarela. Acolhidas em folhas verdes. Viçosas. Buquê que não jogaria para ninguém. Cada um que case a seu tempo.
Dalvan oferecia o braço. Promessa de tudo de melhor que pudesse ser e fazer pela jovem desposada.
A alegria ficaria escancarada já já.
Quando fosse hora de beber, comer e dançar.
Umas cervejinhas tinham vindo de Brasília. Já os petiscos eram coisa da terra.
Ninguém resistiria a uns saracoteios.
Era por causa da música tirada da velha sanfoninha e do triângulo.
Tudo coisa bonita.
De casamento Kalunga.
Agora tudo meio que espantando. Pela chuva.
Caiu. Desabou. Molhou. Aquela gente simples. E nobre.
Abençoou.
Era dia de festa em Vão das Almas.
Sei disso porque o feito foi fotografado.
E das fotos vemos mais do que a cerimônia.
Está ali tudo o que importa.
Aquela gente é que sabe.
E faz a generosidade de nos mostrar.
Foto: Paulo de Araújo