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QUINTA-FEIRA APASSARINHADA

Ainda esperava por ela.

Não sabia ainda que chegara.

Vi apenas as palavras do poeta.

Desejando quinta-feira apassarinhada. E leve.

Só então olhei para o relógio.

Já era quinta-feira.

Já era meu o direito de tê-la apassarinhada. E leve.

E resolvi que não abriria mão dele.

Porque já recebi muitos desejos.

Nunca um assim de penas bicos e cantares.

Se eu pudesse ficar o dia todo deitada sob muitas cobertas cheirosas e bem passadas, decerto me sentiria apassarinhada.

Se eu tivesse um ninho bem vistoso com palhinhas simétricas e arranjadas. Seu eu pudesse entrar na casa do João e ficar ali encurralada, seria coisa de estar apassarinhada.

Se eu voasse pela cidade e pairasse em cada janela onde encontrasse água engarrafada. Se eu fosse beija-flor e bebericasse caldinho doce – açúcar cristalizado ou néctar – me sentiria apassarinhada.

Seu eu desse longo abraço – sendo bicho planta ou mato – estaria mais perto de ser apassarinhada.

Seu eu ganhasse peito largo, nó nunca desatado, o encaixe desejado. Sentisse o cheiro bom daquele suvaco – seria uma mulher vivendo assim planando plena pelo ar mór. Aí, sim. Como seria apassarinhada.

Se eu pudesse saltitar. Livre. Solta. Seria quinta-feira leve. Apassarinhada.

Mas eu tinha agora apenas a madrugada.

Já era quinta. Mas ela não estava assim tão chegada.

Quero ver é quando dormir para acordar.

Amanhecer com sol. Nuvens avermelhadas.

Quero ver é quando o dia quiser desfiar seu rosário de contas mal pagas.

Quero ver é quando o relógio tiver que ser consultado a cada minuto.

Quero ver é quando receber a minha pauta.

Quinta-feira toda semana tem. Quero ver é mais tarde. Como vai se comportar justo essa que calhou de receber a recomendação de ser apassarinhada.

Pois que cante bem bonito.

Tenha cores. Bico fino. Como elegante sapatinho.

Amanheceu quinta-feira.

Tem cantoria lá fora.

Tem cantoria cá em mim.

É meu direito.

Ser também um passarim.

Se a quinta-feira for do jeito que ela quiser. For tormento ou calmaria. Tristeza ou alegria.

Eu cá dentro de mim estarei refugiada.

Por desejos de poeta estarei como toda a gente, leve.

Apassarinhada.

Foto: Gilberto Soares


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