O filme o Colar de Coralina é lento.
Não tem um tempo certo. Não tem clímax. Não tem cenas de ação. Nem diálogos profundos.
Segue o ritmo do passo claudicante de uma bisavó.
Vai maturando. Como doce que descansa sobre o fogo até que tome forma e sabor.
Discorre em um relógio que não é o nosso. O atual.
O filme o Colar de Coralina é delicado.
Como roupa de tecido leve e rendas e bicos.
Não tem moral da história.
Toca a nossa mão e convida para um passeio leve. Interno.
Um enredo que se desenrola por dentro. Com conexões. Lembranças. Afeto.
Entra na alma de uma criança, que pode ser cada um de nós, e dá sentido ao mundo ainda incerto e que se fará entender quando o futuro chegar.
Na narrativa da idosa que um dia fez poesia da poesia, da que sempre esteve dentro, fosse o acontecimento feliz ou triste.
Ou tragédia. Como a quebra de um prato ancestral. A busca por um culpado pelo infortúnio.
O filme O colar de Coralina nos põe atrás das retinas de uma menina para quem o mundo era feito de palavras. E histórias.
Nunca esquecimento. Sempre memória.
Inzoneira. Buliçosa. Malina.
A quem se dava castigos. Em quem se batia com palmatória.
Seus delitos? Resguardar em quietude os sentimentos que comporiam sua obra.
A obra de uma criança é sua própria vivência. Significados e tamanhos que dá ao que sai (ou fica) da sua imaginação. Do jeito peculiar como encara a vida.
Costumamos postergar o tempo da criança. “Quando crescer”. “Quando entender”.
Ele é agora. À altura da sua pouca altura. Para onde temos que nos baixar. Enxergar. Respeitar.
Sem isso, resta à crianças, que pode ser cada um de nós, realizar o esforço de guardar suas sementes. Mesmo sem consciência disso. Ou sem saber se a terra que encontrará será fértil ou seca.
Em ambas, a promessa do brotar.
O filme O Colar de Coralina traz histórias dentro da história. Como bordado que se torna ponto em cima de ponto. E só assim estará pronto.
Tem um pouco de tudo. Medo. Desafio. Opressão. Família. Feminino. Força.
Ausência de uma figura masculina que todos dirão imprescindível. Mas não é.
Do lado de cá da tela sentimos o cheiro de bolo. De pão de queijo. Da goiabada.
O poder de uma mesa posta como espaço de diálogo. Catarse. Decisão.
Ouvimos e vemos a chuva cair. Sentimos o bafo cheiroso de terra molhada.
Voltamos os pés para a lama onde pularam um dia.
Lamentamos que estejam tão limpos.
Ouvimos as vozes das que vieram antes. Sentimos os cuidados exacerbados sobre nós, meninas.
Vemos a paisagem de um Goiás. Velho. Tão atual quanto entrar na casa que foi de Cora. Pisar as mesmas pedras e porões onde esteve Coralina.
Tocar o coração com compasso de roça. Fumaça de fogão à lenha.
O filme O Colar de Coralina é encontro.
Ao qual chegamos atrasados.
Ofegantes. Ávidos.
Pela realização do nosso próprio reinado.
Onde tudo seja paz.
Da cor do prato azul pombinho.
Mesmo que para isso seja necessário unir.
Cacos.
Desejos quebrados.