- A essa hora?
Foi o que saiu da boca.
Havia dias.
Saiu da boca. Ficou martelando na memória.
Foi o que conseguiu responder. Agora parecia torpe.
Era como um perdão não concedido.
As três palavras voltavam como a figura da morte e seu machado. Sombra nefasta. A amaldiçoá-lo.
- A essa hora?
Era coisa que se dissesse? Haveria hora certa para aquilo? Ao invés da negativa pouco inteligente, como considerava agora, não poderia ter aceito? Ou não ter respondido? Ou ter sido mais ousado?
Poderia ter deixado algo no ar. Nem sim. Nem não. A possibilidade. O não estranhamento.
Poderia ter dado a parecer próximo de uma oferta como aquela.
Não aceitaria por outro motivo.
Sem relação com o horário.
Atrelar uma agenda a algo tão livre pareceu-lhe bobo.
Conhecia aquela liberdade. Era íntimo dela. Sabia pormenores. E segredos.
Mas a resposta dita de chofre apagava tudo num golpe só.
Pareceu estreante.
Eunuco.
Celibatário.
Adolescente virgem que titubeia diante da porta do puteiro. Melhor voltar depois. Mais preparado. Camisinha no bolso.
Ou meter na primeira namoradinha.
Mesmo que passassem o resto das vidas se esforçando para esquecer primeira vez tão desajeitada.
- A essa hora?
E bastou para a mulher dar as costas. Sair. Nem decepcionada. Nem contentada.
Não esperava sim. Ou não. Não esperava nada da vida. Nem de ninguém.
Ofereceu-se por não ter outra coisa a fazer.
Poderia ter ficado calada.
Fingido não o enxergar.
Ter continuado sua viagem sem rumo.
Ter aberto mão daquela parada infrutífera.
Ainda um gosto pelo risco sobrevivia em sua carne fraca.
Instinto de animal que ouve um ruído e sai a galope.
Predador que escuta um ruído e se aproxima.
Arriscou.
Faz programa. Está sem grana. Rolava de fazer um servicinho qualquer. Um boquete. Uma chupeta.
O que viesse era lucro.
O trabalho.
O pagamento por ele.
Era homem. Conhecia aquilo. Podia ter se liberado aos prazeres fortuitos que arrebentam sem aviso prévio. Surpresa. Das boas.
Pensou nela.
Sua profissão.
Pensou nele.
Seu corpo.
Pensou em como era sublime estar dentro do outro. Inundar-se do divino. Do profano.
Era sagrada a entrega. Conjunção de química e física e hormônio e prazer e grito e gozo. Quiçá amor.
Levava-se tempo para o refazimento.
Era coisa profunda. Intensa.
Mas podia ser nada disso.
Rapidinha.
Só gozo.
Sem sentimento.
Mão no bolso. Nota de dez.
Para ela estava bom.
Para ele - não sabe até agora.
Tarde demais para voltar no tempo. Nunca havia conseguido tal façanha. Da vez em que tantos quilômetros os separavam, nem possibilidade.
Podia enxergá-la.
O corpo de mulher. Contra a luz do amanhecer.
Peitos. Bunda. Coxas.
A voz que oferecia. Oferecia-se.
Entregou a nota.
Recusou o serviço.
Decisão acertada.
Isso não estava em jogo.
Mas as três palavras renitentes.
Foi o que conseguiu responder.
Agora parecia torpe.