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O ALVO E A SETA

- Cantou?

É a primeira pergunta da professora quando entro na sala.

Paro para lembrar.

Hummm. Acho que não muito. Ou então, sim. Um monte.

Tudo cantoria caseira.

No intervalo entre acordar e sair.

Chegar e dormir.

- Tem que cantar.

Há dias ou semanas em que as coisas ganham velocidade da luz.

Aí, o cantar não entra como uma atividade.

Mas nunca deixa de estar como necessidade.

Rádio ligado.

Lábios cantarolando.

Já receitei ‘ouvir música’ a amigas com problemas.

Nesses casos acho que o primeiro deles é viver sem música.

Como é possível?

Deve ser isso que gera ansiedade, apatia, tristeza no coração.

O pulso ainda pulsa.

O pulsar está nas canções.

Nas histórias que contam.

Nas vozes que cantam.

Nas mensagens que nos chegam.

Coautores que somos.

São crônicas.

Toda a arte é crônica.

Toda expressão artística recorte. Lente. Espelho do que se enxerga.

Não sou capaz de usar pinceis. Aço. Ouro. Prata. Tinta. Papel. Tela. Mármore. Cinzel.

Uso palavras.

Dicionários.

Sinônimos. Antônimos. Significados.

E mesmo com elas não sou capaz de muito.

Poema, romance, ficção, conto.

É restrita.

A minha possibilidade.

Mas me multiplica.

E me inunda.

Muda minha perspectiva. Meu humor. Meu rumo.

É coisa de entrega.

Ainda que não completa.

Porque o caminho se faz entre o alvo e a seta.


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