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ABRACADABRA

E qual é a palavra mágica?

Perguntou a contadora de histórias, dando continuidade a uma narrativa de mistério e suspense.

O próximo capítulo precisava ser aberto pelas crianças e suas sugestões.

- Por favor.

- Obrigado.

- De nada.

- Com licença.

Ela assentiu. Deu exemplos da efetividade daquelas palavras na vida prática mas esperou pela magia. Um tanto desconcertada.

Demorou.

Foram necessárias algumas cutucadas e dicas.

Veio então a resposta esperada desde o início. Pelo menos por mim.

- Abracadabra.

Suspirei aliviada.

Divaguei – não sem um travo de desilusão – sobre a razão da distância entre a resposta ideal e as que foram ditas.

Crianças são rápidas. Cheias de imaginação. Surpreendem com seu modo próprio de interpretar as coisas do mundo.

Poderiam ter inventado fórmulas até aqui desconhecidas de fazer abrir portais. Dar forma às porções. Fazer a vassoura voar.

O átimo de tempo que faltava entre alguma coisa sem valor e essa mesma coisa investida de poderes.

Crianças são rápidas. Mas estão carecendo de palavras como ‘abracadabra’, ‘misca musca’, ‘pirlimpimpim’.

Por favor – podia ser uma delas. Por que não?

Demasiado objetiva. Dura. Racional. Não combinava com o universo infantil. Pelo menos naquele momento.

Não combinava com o universo de tantos pequenos sentados sobre uma toalha de pano – acompanhando com interesse e boca aberta, cara de espanto – cada nova investida da moçoila que queria casar e precisava desvendar a origem da voz do além que parecia ser a do seu pretendente.

Por favor. Obrigado. De nada. Com licença.

São necessárias. Abrem portais. Não duvido.

Devem ser ensinadas. Repetidas à exaustão até que virem hábito. Pele que recubra os hábitos da meninada.

Mas quando essa meninada não consegue diferenciar palavras mágicas de um conto e as da educação doméstica, do bom senso, das regras do bem viver, isso me preocupa.

Era um bom indicativo. Não restava dúvida.

Os pais/cuidadores ainda conseguem passar esses valores. Por mais que estejamos esquecendo de vivenciá-los.

Mas o que estaria acontecendo com as crianças?

O que fazem à noite senão ouvir uma boa contação de histórias antes de dormir?

O que fazem à noite senão ler um livro de terror? Aventura. Fábula. Parlenda.

O que veem na tevê? Nas telas de celular, tablet e tantas outras?

Sinal de alerta. Sirene tocando. Farol no amarelo.

Que possamos devolver a magia furtada.

Que saibamos legar aos pequenos a fantasia, o desconhecido, os enigmas. Direito adquirido.

Que haja profusão de encantos.

Baú do tesouro. Mapa da mina. Caldeirão espumante. Portal. Esfinge. Alquimia.

Para que a todas as crianças seja dado que uma palavra mágica é, no mínimo, abracadabra.

E que pronunciá-la seja garantia de ver aberto um universo próprio.

Que nenhum pirata deve usurpar.


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