Há alguns dias a vejo por aqui.
No primeiro, me aproximei. Sem querer incomodar. Olhei seus detalhes. Ensaiando nenhum toque, sequer movimentei as mãos. Olhar foi o bastante.
Admito. Gostei da visita. Não me detive sobre ela mais do que trinta ou sessenta segundos.
Acho mesmo que não chegou a isso.
Devo tê-la saudado.
Depois, dei as costas. Disso lembro bem. Embora a razão não me pareça nítida.
Certamente havia algo mais urgente a ser feito. Era noite quase alta. Disso também sei. Porque foi quando finalmente entrei no quarto ansiando pelo momento de dar início às poucas horas de sono que restavam até que o despertador tocasse. E passassem alguns minutos das cinco da manhã.
No segundo, fiquei surpresa pelo fato de estar viva. Ainda explorando as paredes brancas. Supostamente sem atrativos que justificassem sua presença.
Na falta de coisa melhor para fazer, acredito, alimentei a crença de que o motivo de estar por aqui era o fato de ter gostado de me fazer companhia. Uma espécie de brinde. Um regalo. Um carinho.
Como se substituísse seu parceiro verdinho e viesse trazer uma mensagem de esperança.
Como fora coceira na mão esquerda. Ou direita? Antecipando alguma boa notícia.
Não sei a razão de ter me apegado a essas crendices ou superstições trazidas desde a infância até o século XXI. De súbito elas revelavam que na minha quarta década de vida estavam vivinhas da silva.
Devem estar gravadas no DNA. Como cruzar os dedos para dizer mentiras inofensivas – gesto que se repete na infância de gerações inteiras sem que ninguém tenha testemunhado quem o disseminou na atual.
No terceiro, aproximou-se.
Passeou pelos objetos que ladeiam minha mesa de trabalho. Ganhou destaque quando subiu, sem esforço, a ladeira alta representada pelo cone preto de papelão com tampa dourada.
Passeou pelas teclas do computador como se pulasse amarelinha.
Não tive dúvidas. Vinha para me trazer a inspiração do dia.
Era essa a boa nova.
Pintou de letrinhas virtuais toda a página em branco que me desafiava.
Foi para vê-la uma vez mais.
Tomar a decisão de enfrentar o sono. Cumprir a missão, só por hoje, de escrever mais um texto.
Tentei acompanhá-la.
Perdi a mensageira de vista. Recado dado, partiu. Como nem tivesse vindo.
Visagem. Alma penada. Espírito de luz.
Deixou lembranças. Não as de saudação. Mas as de saudades.
Do tempo em que era prometida como a possibilidade mais encantadora. Mágica. O grande encontro.
Ouvia as vozes responsáveis pelo anúncio.
Via as mãos apontando o lugar exato em que estaria.
Vislumbrava os olhos se fechando para mirá-la. Camuflada. Minúscula.
Desconheço seu paradeiro.
Aceno sem certeza de que faz algum sentido me despedir agora.
Adeus.
Joaninha.