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MOINHOS DE VENTO

Escuta o galo cantar.

Antes, o farfalhar das asas já a havia deixado em condição de alerta.

Como o balanço de galhos de coqueiros. Folhas secas de outras frutíferas caindo.

Sendo pisoteadas por algum grande animal de hábitos noturnos.

Abre os olhos e encolhe o corpo. Na ilusão de que, debaixo das cobertas, está protegida.

O que vem de fora, àquela hora da noite ou da madrugada, é combustível para acender imaginação. Medo. Criatividade. Desamparo.

Quando ecoa o seu cocorocó relaxa os músculos. Libera a mente para se ater à realidade.

É só dia clareando.

Os sons ganham nitidez. O que é vento vira vento. O que é galho vira galho. O que é folha seca caindo não passa disso.

Algum grande animal de hábitos noturnos se recolhe à toca inexistente como ele.

O céu há pouco tão escuro e misterioso entra no palco com ares de bufão.

Inocente. Brincalhão. Cheio de troça e graça.

Dando beliscos aqui e ali com os raios de sol que se precipitam.

Jogando cá por baixo uma quentura ainda morna. Cores. Variadas de acordo com o que esbarram. O que refletem. O que iluminam.

É hora de pular da cama.

Sem perceber a transição entre a noite e o amanhecer.

Sem entender que o que era grande se apequenou.

E o que fazia barulho silenciou.

Quando amanhece não é mais hora de entender nada.

É hora de pular da cama.

Carregar as dúvidas do que houvera sido. Ou esquecer de tudo que ganhou vida a certa altura da noite. Ou da madrugada.

Em verdade, como em sonho fugidio, tudo se apagará da memória. Por sorte, voltará em lapsos de pensamento. E não se saberá se realidade ou déjà vu.

O galo se calou – como se seu cantar fosse a melhora da morte. Um estertor de moribundo. Um último suspiro.

Seus dotes de artista enfeitiçados por varinha de contos de fada. Erguida pela bruxa má.

Canta. Cala. Só se fará ouvir uma vez por dia.

E que os despertos pulem da cama.

Porque será hora.

A chance, única.

Aos demais, o infortúnio.

Nariz grande. Sono profundo. Morte fingida e guardada em caixote de cristal. Furo no dedo. Queda no forno quente.

O dia chama.

Clama.

Açoita.

Traz vinte e quatro horas.

Obscuras. A despeito da claridade que devia fazer despertar.

Ninguém sabe o que virá.

E não adianta ler horóscopo. Consultar cartas e búzios. Benzer-se. Apelar para santos e orixás.

O que vem é banhado pelos mistérios da noite e da madrugada.

Não se vence.

Só se descortina na medida exata em que acontece.

Não há escudo. Nem espada. Nem reza forte.

Talvez só reza forte.

Até que se lute por horas a fio.

A luta cega.

Regras incertas. Mutáveis. Instantâneas.

Opositores desconhecidos.

Medusas.

Gremlins.

Polvos.

Inimigos dos quais se desconhecem as estratégias.

Olhos vendados.

Cegueira.

Moinhos de vento.

Moinhos de vento.

Aos milhares.

Até que os braços cansem. As pernas se curvem. A respiração se torne esparsa.

Ante uma vitória quase impossível, perece.

Sem saber do resultado.

Por sorte, escuta o galo cantar.

É hora de pular da cama.


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