É do tipo que preferiria não repetir roupas. Por isso mesmo, virou fã de outlets e outras pechinchas. Para economizar os dinheiros e diversificar a quantidade, vez por outra faz pequenas viagens a lugares nos quais faria bons negócios.
Tem bom gosto. Com frequência exibe modelitos vintage que chamam a atenção. São as roupas da avó. Com olho clínico, também faz incursões ao guarda-roupas alheio e consegue tirar de lá peças que não caem de moda. Ou voltaram a ela. E servem direitinho. Têm nem cheiro de guardado.
Quase toda semana exibe novos tons nos cabelos. Penteados e cortes variados. Entende disso. Sabe quantos tipos de fios existem em cada cabeça. E com poucas tesouradas consegue resultados novos e antenados com as tendências.
Aliás, quer saber das novidades do mundo fashion? Converse com ela. Está tudo na ponta da língua. As combinações ou misturas inusitadas permitidas pelas tendências da estação. Os erros e acertos das celebridades. A superposição ideal de cores, padronagens e texturas. Como usar as botas e seus canos variados.
Não tem crise ou aperto no sapato que a faça mudar baixar seu padrão de beleza. Seu ritmo ideal de consumo. Pode cortar outros itens que antes pareciam ser de primeira necessidade. Mas diminuir o orçamento para o que considera essencial, isso não.
Ficaria infeliz. Deprimida. Feia até. Isso ninguém merece.
Também faz milagres com o tempo. Ninguém entende como consegue trabalhar, ser esposa, mãe, filha, neta, irmã, prima, amiga, colega de trabalho. E ter tantas atividades paralelas. Incansável, por ela passaria todas as horas vagas no supermercado. É o seu lugar preferido. Vai de um a outro, em verdadeiras excursões. Pesquisa novidades. Preços. Sai carregada de sacolas. Ainda mais cheias em dias de promoção.
É cliente número um de vendedores amadores. Eventuais. Investe em tudo que aparece sendo ofertado de porta em porta. Ou pela revistinha. À moda antiga. Ninguém a supera no estoque do lendário Tapeaware. Tem todos os tipos de embalagens e vasilhames. Faz propaganda. Apologia. Sabe a função até dos mais modernos. Desconhecidos.
Na sexta-feira não apareceu para trabalhar no horário regulamentar. Ninguém estranhou muito. Às vezes era necessário trocar de turno. De carga horária. Uma hora ou outra daria o ar de sua graça.
Chegou com espalhafato. Ar desconfiado. Circulou contando sua história. Saga. Tinha fotos para mostrar. Provar. Pediu desculpa à chefia.
Não sabia em que momento do dia aquilo tinha acontecido. Fez várias reconstituições. Continuava sem pistas.
Lembrava-se de ter ido à padaria. Ao posto de gasolina. Chegou a descer do carro para passar o cartão.
Só quando estacionou na parada final recebeu o alerta.
Desceu serelepe. Exibia um bonito exemplar ‘casual day’.
Fim de semana estava aí.
Mas foi ouvir o som da porta do carro sendo fechada, dar as costas e o primeiro passo rumo à portaria, aconteceu.
Um moço gentil, embora desconhecido, criou a coragem necessária em momentos de dar notícias desconcertantes como é rever o grande amor. Gaguejou. Pigarreou. Mas saiu. Inadvertidamente como espirro.
- Herrrr, Seu vestido está rasgado.
Para comprovar ela deu às costas ao primeiro vidro que encontrou e entortou o pescoço para ter a dimensão do problema.
Quase caiu para trás. Não era apenas um rasgo. O moço era bom de eufemismos.
Do meio das costas até onde acabava o tecido, pouco acima do joelho, o que havia era uma grande fenda. Escancarada.
Ferida aberta.
Logo com ela. Não se perdoaria nunca.
Pior era não saber desde que momento da manhã exibira costas, bumbum e calcinha.
Para quem quisesse ver.