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AQUI ME TENS DE REGRESSO

Já dormi.

Acordei.

E ainda vou para a cama.

São 2h15 da manhã.

Entendo meu ritmo – dizem que isso é muito importante na vida. Leio em manuais de autoajuda.

Tenho energia pela manhã e à noite, incluindo madrugada adentro.

Passo por um limbo entre o meio da tarde e o início da noite.

E por mais que tenha uma lista mental cheia de itens para cumprir o que me dá vontade é chegar em casa depois do trabalho tomar um café, ligar um Netflix e olhar para a tela por um tempo que leva entre trinta segundos e quinze minutos, antes de cair em sono profundo.

Ainda não são 18h. Tenho que buscar minha filha.

Acordo com o som do despertador. Cara amassada. Rosto suado. O filme terminado a minha revelia. E o Netflix solicitando uma avaliação para o que sequer assisti. Dedinho para cima. Dedinho para baixo. E terei ajudado milhares de criaturas que jamais conhecerei a fazer sua próxima escolha.

Tomara que cheguem até o final. Que façam uma avaliação fidedigna da película. Solidariedade virtual isso devia se chamar. Mas se chama interatividade. Ou algo que o valha. Não consigo acompanhar os tantos novos conceitos do mundo digital. Ou algo que o valha.

Raramente consigo realizar o sonho do ócio pelo ócio. Basta um telefonema, um compromisso mínimo ou uma das atividades regulamentares que acaba a tarde. E me resta tentar para o outro dia o descanso desejado.

Meus amigos dizem que sou ‘ninja’. Com um cochilo consigo me refazer.

Mas isso nem sempre acontece.

Por vezes sou traída pela fama. E perco o compromisso. E fraquejo. E me deixo cair no sofá. Como fiz hoje. Por volta das 22h. Luz acesa. Rádio sintonizado na Nacional FM – tocando alto para o horário. Porta escancarada.

Acordei assustada.

Renovada.

Arrumei a casa (que vem de um pós-festa de aniversário da filha), lavei louça, joguei lixo, pendurei roupas, pus outras para lavar, varri o chão.

Os vizinhos que me perdoem.

Já entendi meu ritmo – dizem que isso é muito importante na vida.

Meu corpo funciona muito bem de madrugada.

Acho que o peso na consciência pelo não feito vai tomando espaço enquanto durmo, ou tiro uma madorna, como se diz na minha terra. Acordo com a sede de anteontem para ganhar o tempo perdido. Enxugar o leite derramado.

Sou amiga da noite. Da boemia, diria.

Embora essa amizade seja vítima dos nossos tempos. Marcamos um encontro para um dia qualquer, juramos que alimentaremos a admiração em comum, visualizamos uma boa conversa, olho no olho na mesa do bar. E sequer trocamos mensagem pelo celular.

Tenho com ela o tipo de relação em que podemos passar anos sem nos ver. E quando acontece parece que foi ontem.

Sabemos tudo uma da outra. Perguntamos pela família. Trocamos confidências.

Fofocamos.

Disponibilidade mútua.

Adoramos o reencontro.

Quando é hora da despedida trocamos juras.

Por que danado deixamos que isso aconteça?

Tanto tempo assim.

Nos vemos em breve.

Dessa vez não tem desculpa.

Quebraremos o silêncio.

Nem que seja com um emoji.

Um copo de cerveja.

Uma taça de vinho.


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