Passou a vida toda ou boa parte do seu tempo dedicando-se a escrever.
Era sua moeda.
O que tinha para oferecer.
Em troca.
Falava de amor.
Nem sempre o sentimento.
A palavra.
Muitas vezes bastava.
Havia muitos ouvidos desacostumados.
Muitos olhos almejando vê-la escrita.
Muitos corações incautos e vazios.
Acreditavam no preenchimento pelo amor.
Nem sempre o sentimento.
A palavra.
Muitas vezes bastava.
Folha em branco. Cabe tudo.
Pintou de tinta todas as que pode.
Em algumas, sentimento.
Noutras, palavra.
Fingimento.
Precária certeza.
Fugidia.
Eterna. Enquanto durasse.
Foi feliz assim.
Fez feliz.
No espaço da eternidade.
Viveu muito, sabia?
Quanto amor/sentimento/palavra cabe em uma vida?
Agora papel grilado.
Carcomido.
Passado.
Amarelado.
Sentimento.
Palavra.
Também.
Amor de poeta.
É assim.
A gente pega.
Abre.
Fecha.
Folheia.
Marca.
Esquece de ler.
Encaixa na estante.
Entoca na gaveta.
Deixa exposto. Como a bíblia na igreja.
Fita vermelha no meio.
Luxo.
É todo excesso.
Enciclopédia.
É todo bobagem.
Almanaque.
É todo lúdico.
História em quadrinhos.
É todo lágrima.
Fotonovela.
É todo enigma.
Dicionário.
É todo vazio.
Folha em branco.
Cabe tudo.
Mas a poesia cansa.
O tempo passa.
O amor se esquece.
Já não é sentimento.
Caça-palavra.
Nada.
Piada.
Livro de bolso.