Seis horas.
O despertador toca.
Não precisava.
O agendamento ficou esquecido no aparelho. Desde a última vez em que foi realmente necessário.
Ainda havia aulas. Vieram as férias.
E o despertador continua ativo.
Não fica de todo feliz quando ele soa.
Raramente é pega de surpresa.
Antecipa-se ao horário.
Não precisava.
Mas é inevitável.
Quatro. Cinco. Cinco e cinquenta e oito.
Chega primeiro.
Deixa que faça seu trabalho.
Gosta de acordar.
De amanhecer.
Sabe que haverá um dia em que isso não vai acontecer.
Detesta pensar como será.
Terá consciência de que veio um novo dia e que não faz parte dele?
Sentirá tristeza, pena de si mesma, raiva, dor, arrependimento, vontade?
Paz?
Por isso gosta de acordar cedo.
Respirar.
É prova inequívoca de que está no mundo.
Apura o olhar.
O céu titubeia entre agarrar-se à noite e deixar romper a aurora.
É vencido pela luz.
Que começa tímida.
E se arrisca em misturas, nuances, aquarelas.
Vencidas pela luz.
Agora tudo é azul.
E os pássaros estão em festa.
É cidade.
Mas eles são muitos.
Eufóricos.
Cantadores.
As arvores estão sem folhas. Flores.
Mas há de ter algo para eles.
Galhos.
Eles estão lá.
Aproveita para se conectar a pessoas que partiram.
E gostavam do amanhecer.
Passeia com eles pelos lugares de preferência.
Vê suas fisionomias.
Ouve suas conversas.
Segura suas mãos.
E os leva.
Dia.
Adentro.
No fundo do coração.
Foto: Gilberto Soares