HOMEM-PASSARINHO
Se sobressaia nele.
Era meio da tarde de inverno. Sexta-feira. Greve geral. Pouca gente na rua.
Na pracinha, só ele mesmo.
O sol já havia passado por ali. Agora recostava-se nas paredes do próximo prédio.
Vestia-se com elegância.
Paletó cinza e boina em tom rosado.
O terno trazia por sobre os ombros. O que o tornava maior e mais largo do que devia ser de fato.
Na boca trazia algo. Um cachimbo? Não. Óculos escuros presos aos dentes.
Inquieto, andava de um lado a outro, fazendo crepitar as folhas secas.
Lembrou um pintor francês. Estereotipado.
Mas a medida em que se movimentava, subia, descia, pegava coisas no chão, ficou mais para um Sherlock Holmes.
Apostei que catava sementes.
Meu amigo disse que estava em busca de um socador.
Com tanta polícia em volta, Força Nacional e tudo, associei a palavra ao ‘soco inglês’ e achei nosso Sherlock corajoso por estar às voltas com um objeto proibido, em dia nada apropriado para procurar sarna para se coçar.
Antes que eu verbalizasse a minha preocupação, veio a luz. Socador serve para finalizar cigarros artesanais sejam de tabaco ou de maconha.
A figura não combinava com alguém que se envolveria com isso na Esplanada dos Ministérios.
- Não. Acho que está coletando sementes.
- Sementes. Deve ser. Olha lá, parece um passarinho. Toc, toc, toc. Cata tudo.
O nosso passarinho Sherlock Holmes era incansável. Circulava ágil e já se arriscava pegando frutos grandes que tentava quebrar batendo contra as raízes das arvores e aí, quem sabe, descobrir a semente que estava dentro.
Os óculos continuavam na boca e já não havia mãos livres para abarcar o resultado de sua coleta.
Ele percebeu a mesma coisa.
Colocou tudo o que já havia conseguido nos bolsos de trás da calça. A operação deixou marcas vermelhas de barro na roupa. Isso ele só perceberia depois. Quando chegasse em casa.
Meu amigo questionou o interesse de uma pessoa de certa idade em coletar sementes. Faria mudas. Plantaria. Mas não veria as árvores florescerem.
- Temos que pensar nas gerações futuras.
As árvores.
São mesmo interessantes.
Grandiosas. Mas com sua melhor parte escondida, submersa.
Raízes.
Holmes teria percebido que era observado?
Movimentou-se com mais agilidade.
Não abandonou a missão.
Não perdeu a elegância.
Pelo menos até a última vez em que olhamos para ele.
Homem-passarinho.
