BLACK IS BEAUTIFUL
A mudança.
Visível.
Andava cabisbaixo.
Corpo magro e alto – grande demais para mantê-lo em equilíbrio.
A cor da pele - alvo fácil. Para o “bacolejo” da polícia, a suspeita de roubo, a rua atravessada às pressas por quem se aproximava.
O cabelo rente ao couro cabeludo. Não teria que pentear, explicar, expor, permitir que fosse tocado. Curiosidade e escárnio.
Disfarçado, misturado à multidão.
Mais um.
Tantos e ninguém.
Esquecido. De si.
Largado. Em si.
Não bateria no peito: Eu sou.
Sem explicação. Sem origem. Sem passado.
Sem fio condutor. Identidade. Visto como se seguido por milhares. Sombras.
Transpassado por estatísticas.
Esperas ao contrário.
Não. O carinho. O gesto de delicadeza. A oferta. As palavras mágicas.
Sim. O olhar de soslaio. A suspeita. O aparte. O à parte. O apartheid.
Pudesse arrancaria aquela pele. Com força. Levaria junto cabelo, nariz e boca.
Palmas das mãos e dos pés.
O cinza dos cotovelos. A unha larga e avermelhada.
Sem resquícios. Lembranças. Pistas.
Nem mais um. Nem ninguém.
Invisível. Era.
Mirou-se no espelho. Transparente. Sem imagem.
Gelou.
Fantasma.
Olhou para o pai. História. Passado. Superação.
Cabelo farto. Arrumado. Black. Black power.
Power.
No fundo, a avó.
A fotografia.
Única que teve de si. A avó.
A única coisa que tinha da avó. A fotografia.
Cabelo farto. Arrumado. Black. Black power.
Power.
Saia longa.
Fogueira.
Cabelo.
A mudança.
O orgulho.
O pai. A avó. Ele.
Estilo anos 70.
Se não puxar pra gente, quem vai puxar?
Visível.
Meu pai usa assim. Minha avó usava assim. Estava assim na foto.
Andava altivo.
O corpo magro e alto – pouco.
Não cabia em si.
