Engolidos pela vida. Velhos demais para isso. Jovens demais para aquilo.
Nunca no ponto certo.
Nunca fruta madura.
Já queda.
Tarde demais.
Comida de bicho. Adubo de terra.
Há tempos flerto com a música. O canto. Mas a cada interpretação de gente que nasceu pronto, empurrava a própria voz para lá.
Demorei a entender que a vida minha é nenhuma outra. E os caminhos, por mais coincidentes, são únicos. Pessoais. Individuais.
Como toureiro quis domar a canção. Touro bravo. Cantá-la do começo ao fim acariciada pelo pano vermelho. Sem medo. Sem fuga. Agudos e graves. Altos e baixos. Harmonia.
Desafio.
Demorou o tempo em que me permiti. Não valia a pena. As pessoas nascem assim.
Cantando.
Eu não.
Entrar a fórceps?
Não fazia sentido.
Fosse assim, os jogadores não treinariam futebol. Dia de jogo, vitória certa.
Profusão de gols.
Ninguém está pronto.
Aceitei o conselho.
Aulas de canto.
Desde março. Uma vez por semana.
Descaminho.
Quando penso avançar, retrocedo. Quando ensaio em casa e chego com tudo afiado, a lâmina não corta. Cega.
Desanda o canto.
Coisa lenta.
O cérebro, aos poucos, abre caminho para as novidades.
Mudanças.
As canções, amansam.
Diminui a distância entre as notas e eu. O ritmo e minha capacidade de acompanhá-lo.
Entre a covardia de passar anos sem dar espaço à realização da vontade e, a coragem de enfim, fazê-lo.
Vontade ignorada vira outra coisa.
Vulcão. Erupção física ou psíquica. Estrago. Desabrigo. Lava.
Horror e desolação.
Internos.
Pior.
Não se mensura. Não se vê. Nem respeita.
Perdeu-se o respeito pelas vontades.