Era domingo.
Eu cruzava a quadra em direção ao comércio quando vi um objeto sobre o banco de cimento.
Deu tempo de pensar que era uma pena que alguém o tivesse esquecido. Deu tempo de pensar se seria recuperado antes que ganhasse outro destino. Afinal, achado não é roubado, alerta o dito popular.
Deu tempo de ver, entre o passo que me colocou diante dele e o que me retiraria da cena, o bilhete que me faria sua dona.
Em poucas palavras o recado estava dado.
Doação. Leve-me – estava escrito em duas linhas no pequeno papel amarelo grudado nele.
Eu não olhei para os lados e nem para trás.
Não quis saber se o doador ainda estava por perto. Se esperava para ver, nem que fosse de longe, o destinatário da encomenda.
Entendi que o objeto que julgara esquecido havia sido propositadamente colocado ali.
Abaixei-me para pegá-lo.
Era um livro.
Tinha capa dura e uma aparência elegante e distinta.
Quando me atentei para o seu título assenti que não existem coincidências nesse mundo de meu Deus.
Aquele exemplar era para ser meu e o destino se encarregou de nos unir. Missão cumprida com maestria.
Meus livros recebiam mais um companheiro.
Edu Lobo –são bonitas as canções. Uma biografia musical. Obra de Eric Nepomuceno.
Na livraria custa perto de R$ 65.
Na rua, custou um gesto de desapego.
Na minha mão, teve o acréscimo de um sorriso de alegria, gratidão e contentamento.
Reparo que nos centros urbanos pipocam iniciativas ou projetos que buscam estreitar relações, mudar a lógica do individualismo, do capitalismo. Que ensinam que compartilhar, de um abraço a um livro, pode abrir um leque de possibilidades.
P
or vezes, o objetivo é bem simples e redunda no desejo de que as pessoas aprendam a olhar para além do próprio umbigo e entendam que gestos singelos podem promover grandes mudanças. Podem trazer felicidade.
Eu nunca deixei um livro dando sopa. E até o domingo nunca tinha encontrado um. Adorei a sensação.
A obra passou a me acompanhar dali para frente, fim de tarde, boca da noite, como se estivesse de mãos dadas comigo. Caso de amizade. Ou de amor. Companhia silenciosa, mas intensa, foi apresentada a todos com quem encontrei.
Não bastasse isso, tinha uma dedicatória.
Eu adoro dedicatórias. Sobretudo as que encontro nos discos de vinis comprados em sebos.
Guardam tanta história e tantos nomes.
Essa era do próprio autor para Alice. Dizia coisas que um escritor diz a quem compra sua obra.
Poucas e genéricas palavras.
Mas isso era melhor do que não ter nada.
Eu sabia o nome de pelo menos uma pessoa que já tivera contato com a publicação.
E tinha o poder de fazer com que pertencesse a outras, caso retribuísse o presente com a mesma moeda.
A doação.
Assim, poderia acrescer de um sorriso de alegria, gratidão e contentamento o domingo de mais alguém.
Ou qualquer dia da semana.