Eu nem ia ler o jornal e isso teria sido um erro.
Quando abri a página virtual e dei de cara com a foto de Dona Izaura tive a sensação de que precisava conhecer sua história. Ou parte dela. Ao menos aquela história. Que o jornal trazia.
A senhora de 94 anos apresentava aquela cara de gente do bem e cheia de sabedoria. Aquela cara de familiaridade. Foi olhar para ela e pensar que a conhecia de algum lugar.
Na verdade, não. Apesar de sermos do mesmo estado, a Paraíba, Dona Izaura era uma sertaneja forte. E em sua cidade, Cajazeiras, não fui mais que duas ou três vezes. Logo, era improvável que já tivéssemos sido apresentadas.
Com um sorriso aberto, óculos de aros largos, camisa xadrez combinando com a época dos festejos juninos, cabelo decerto branco, mas pintado de um castanho avermelhado e a pele encarquilhada. O braço estendido e na palma da mão um papagaio. O Leozinho. Era assim que aparecia na imagem.
De acordo com o jornal, Leozinho era o motivo da alegria de Dona Izaura.
Arrancava sorrisos dela não só quando precisavam pousar juntos para as fotos. Mas diariamente renovava os ânimos da anciã quando lhe chamava pelo nome, empoleirado na cozinha. Era, na verdade, o seu único bem.
Mas eis que uma ligação anônima ameaçou a sobrevivência de Dona Izaura e da sua paz de espírito. Tirou-lhe o sorriso e poderia ter tirado a sua vida, acometida que foi por uma crise de hipertensão ao receber a notícia.
Decerto por inveja ou desaforo uma pessoa sem identificação denunciou ao Ibama que havia um papagaio em cativeiro bem ali, na casa de Dona Izaura.
O órgão, defensor do meio ambiente e dos recursos naturais renováveis, foi na onda. Enviou um fiscal que lavrou um auto de infração e, lá estava Dona Izaura – de feliz cuidadora de um papagaio a uma criminosa ambiental. Possuía uma ave sem licença que por sua vez estava com data marcada para ser apreendida.
Foi então que um sobrinho de Dona Izaura compadecido com aquela sentença de morte para a tia e para o papagaio que, decerto carente dos dengos que recebia, pereceria em poucos dias, procurou um advogado.
Foi assim que começou a pendenga jurídica que durou anos – Izaura ganhava, Ibama recorria.
Pois agora com o caso tendo chegado ao Supremo Tribunal de Justiça, a questão foi, como dizem os juristas, pacificada.
Tudo bem que o Ibama queira preservar a espécie. Mas Leozinho sem Izaura não se concebe. Nem dentro dos tribunais de Brasília.
Sentiria falta da amiga, mãe, avó, irmã, companheira de vida inteira. Poderia morrer de depressão.
E isso ninguém queria.
O Ibama ainda pode recorrer da decisão.