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EU TENHO MEDO

Como é descrito o medo? São muitas formas em tantas perspectivas diferentes.

Medo de tudo como está enumerado na música que Lenine canta. Um verdadeiro tratado. “O medo é uma sombra que o temor não esquiva/O medo é uma armadilha que prendeu o amor/O medo é uma alavanca que apagou a vida/O medo é uma fenda que aumentou a dor”.

Dizem que o maior medo do ser humano é o de morrer. E quer ele viva se escondendo, quer viva se arriscando e buscando adrenalina, é tudo farinha do mesmo saco.

Estratégias diferentes para enfrentar/encarar/se esconder da morte.

Missão em que, inevitavelmente, sai perdedor.

Medo como trauma, medo como fuga, medo como covardia, medo como proteção, medo como prenúncio do sofrimento.

Ah, dizem também que o medo é importante para a proteção. Não fosse ele, nos jogaríamos embaixo do trem, quebraríamos a janela do avião, dirigiríamos a mil hora, entraríamos, sem pestanejar, em situações perigosas das quais dificilmente sairíamos vivos. E a vida, de preferência eterna, era nossa busca. Confere?

Após a morte de Belchior, ouvindo-o repetidas vezes e para além das minhas já conhecidas preferências, descobri uma música que me falou muito. Pequeno mapa do tempo. “Eu tenho medo e já aconteceu/ Eu tenho medo e inda está por vir/ Morre o meu medo e isto não é segredo/Eu mando buscar outro lá no Piauí”.

A temática se repete em suas composições. Em Hora do Almoço, o cearense canta: “No centro da sala, diante da mesa/ No fundo do prato, comida e tristeza/A gente se olha, se toca e se cala/E se desentende no instante em que fala/Medo, medo, medo, medo, medo, medo”.

Há muito eu tinha decidido não colocar a culpa nos pais e nem achar na infância a resposta de tudo o que deu errado na vida. Mas quanto mais a gente perscruta o passado, mas encontra aí mesmo a raiz das coisas.

Meus pais, pessoas públicas, que conheciam a cidade inteira e eram onipresentes, contavam em casa, principalmente mamãe em narrativa inconfundível, sobre a morte de amigos em “desastres” de carro ou por “aquela” doença que não se dizia o nome (câncer). Aliás, não se podia falar muitas palavras. Azar era uma delas.

Eu criei, talvez por isso, um quase pavor aos carros. E às viagens. E aos traslados seja por qual meio de transporte. Eu tenho medo. E ele pareceu fazer sentido quando o meu irmão partiu, partido, por e em um acidente. E foram tantos na família.

Dizem também que a maternidade nos traz de forma aguda o medo – de morrermos, de vermos nossos filhos mortos.

Após três anos de sucessivos golpes e perdas e decisões difíceis vejo o quanto me encolhi dominada pelo medo. Estive e ainda estou em um lugar menor, escondido/esconderijo em que me sinto engolida e anulada.

Não quero mais esse lugar.

Dizem também que para morrer bem há que se viver bem. Esse bem não tem relação com bens materiais, mas com entendimentos tantos e variados.

Eu acordei. Eu não quero mais não ter consciência do que me acorrenta – e aceitar a prisão. É isso que tenho feito.

Eu quero, aos poucos, enfrentar os medos, encarar a vida. E o que será que será, o que não tem conserto, nunca terá.

Quando a morte me pegar, que seja enfrentando meus dragões, meus moinhos de vento. E não já morta por dentro.

Que venha a vida!

É bonita, é bonita e é bonita!


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