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SOB LUZ DE VELAS

Gosta de se descrever como complicado.

E até chato.

Solitário.

Porque há muitos anos mora só, vive só e, ali, no espaço que é só seu, reina soberano e absoluto, construindo suas próprias regras de convivência consigo e com seus objetos.

Faz o que quer ou deixa de fazer – o que é ainda melhor – o que quer.

Ninguém para olhar, ninguém para cobrar, ninguém para dizer o que está certo ou errado, vociferar ou apontar o dedo.

Ele gosta.

É tão livre que se sente um pouco atrapalhado na gestão das coisas imprescindíveis – é que a vida apresenta suas gaiolas por outros meios.

É necessário trabalhar, estudar, gerir a casa, incluindo a compra de alimentos, os cuidados com as roupas, o pagamento das contas básicas.

Vez por outra se vê sem comida. Também não precisa de muito desde que não faltem coca-cola e os doces sagrados de cada dia.

As contas muitas vezes o surpreendem – acumuladas, cheias de juros, impagáveis.

Todo lado tem o seu anverso.

Naquele dia quando abriu a porta e fez o gesto habitual de procurar o interruptor, a luz não acendeu. Achou que podia ser um defeito pontual e seguiu adentrando o apartamento em penumbra. As luzes que vinham de fora ajudavam-no a não tropeçar.

Também não veio a claridade.

Deu uma olhada nos arredores, perscrutou as frestas dos vizinhos e dali vinha luz.

Teve que aceitar e assumir que o serviço da operadora de energia havia sido interrompido. Teve que recobrar a memória e perceber que há muitos meses não honrava sua dívida com ela.

Objetivo, pensou em como conviver com o problema que duraria, decerto, aquela única noite. Estaria aprendida a lição.

Por sorte tinha velas. Acendeu algumas em pontos estratégicos e gostou do resultado. Para alguém que se utiliza de luz e sombras como instrumento de trabalho, aquilo estava melhor que a encomenda.

Para não deixar morrer a bateria do computador, procurou no corredor alguma tomada de uso do condomínio e por considerar que era justo utilizá-la, não se fez de rogado. Só esperou que ficasse um pouco mais tarde.

O banho foi frio mesmo. Gostava da sensação. Alguns gritos, uns tantos pulos e a água parecia esquentar facilmente.

A roupa, aprendeu com os suíços, podia ser passada com as próprias mãos. Alisa daqui e dali e estava pronta para ser usada.

A Internet para o celular, de onde ouviu músicas, viu filmes, usou as Redes Sociais, jogou xadrez, foi compartilhada por algum desavisado que não utilizava senhas de proteção.

Achou que a vida ia muito bem daquele jeito e passou dias, semanas no esquema.

Não encontrava tempo para resolver o problema da forma convencional.

E tão logo conseguiu contatar a empresa e sanar sua dívida que andava astronômica, tão logo fez-se luz, ele se sentiu um pouco saudoso da rotina que vinha construindo. Achou que combinava mais com seu estilo.

Encontrou um jeito de voltar ao passado.

Permaneceu sob luz de velas.


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