Ele não sabe se vai gostar.
Está ansioso.
Na verdade, tem certeza de que gostará.
E é disso que tem medo.
Porque quem vai nunca sai de todo e nunca será de outro lugar.
São as raízes fincadas – rompidas – e invisíveis que o prendem a um lugar que não passa de memórias.
Tantas vezes criadas.
Porque quem vai nunca encontra o que deixou e sempre volta antes do previsto.
Ele quer pisar no chão que é seu. Que o nomeia. Que o preenche. E o esvazia. Que o faz ser quem é e quem não é.
Quem garante que tudo estará como deixou?
Que os prédios não foram derrubados?
As janelas fechadas?
As pessoas mortas.
Que quem era desdentado, agora use chapa?
Quem garante que as moças estejam viçosas, vistosas?
Quem garante que a comida terá o mesmo sabor?
Que os amigos tenham o mesmo abraço apertado?
Quem garante que existam amigos?
E que, caso existam, que as conversas com eles sejam despretensiosas e cheias de risadas?
Talvez estejam todos sisudos e infelizes.
Talvez só falem da crise.
Mas ele quer.
Quer ter a certeza.
Quer das coisas, as mais simples.
Garante que vai esquecer sapatos e arriscar os pés no chão batido - para que aquele solo entre por suas plantas e se enrosque feito cipó corpo adentro – até chegar ao coração.
Coração que vai parar cedo, supõe.
Por isso precisa de tudo agora. Tudo muito. Tudo intenso.
Por isso vai.
Por isso quer entrar nos becos, bares e botecos.
Quer comer com a mão.
Quer ser livre.
Não vai marcar encontros.
Vai passar em passos rápidos, acenar com os braços, seguir.
Por isso vai à feira.
Vai dormir no chão.
Vai sorrir aquele sorriso largo.
E juntar mais umas histórias para o seu balaio de contador.
Vai arrancar uma folha, sentir seu cheiro.
Vai fechar os olhos para sentir o vento.
Vai parar de mastigar para descobrir os sabores.
Vai chorar um punhado de vezes.
E recontar tudo o que já disse.
E se alimentar de lembranças.
E perceber que tudo já passou.
E que ele mesmo é outro.
Que o tempo varreu e derrubou. E levou tudo em enxurrada.
E vai ter que criar novos gostares.
E vai ter que mirar por novos olhares.
Nada disso o intimida.
Está chegando o dia.
Dia de reviver a sua vida.