Quando sou empurrada pela vida a ser testemunha de cenas que me ferem, sinto uma espécie de revolta.
Incrédula, pergunto aos quatro ventos por que tinha que ser comigo, por que tinha que ser perto de mim.
No lugar de intervir, se estiver ao meu alcance, eu tendo a me distanciar da cena para depois ficar ruminando o que poderia ter dito ou feito para alterá-la.
Quando acontece de me movimentar nem considero como um ato racional. É impulso. É impensado. Foi assim naquele dia.
Estava sentada ao lado da família. Pai, mãe e filha.
Devia ser um ambiente não tão amigável para alguns pequenos. Eles se apresentariam em público. Não era competição. Mas não creio que os ares estivessem isentos de competitividade.
A menina, pequena e franzina, estava visivelmente incomodada e assustada.
Era instada a sentar-se noutro lugar, junto a seus pares miúdos. Não devia ficar ao lado dos pais.
Afinal, diziam, bradavam, em nervosismo incontido e crescente: Ela não era bebê. Ou ela queria ser bebê? Ou você quer ser bebê, hein?
Ela não se mexia.
Os dedos adultos continuavam em riste. As vozes se alteravam mais. Frases humilhantes tentavam convencê-la a atravessar a sala.
Era uma distância pequena. Mas ao que tudo indicava, intransponível.
Eu tentava não me mexer. Não olhar para o lado. Não demonstrar indiscrição. Intromissão na vida alheia.
Os gestos e expressões passei a ver refletidos no espelho da frente.
As ameaças aumentavam.
A menina, tão menor e diminuída, já parecia sumir.
E foi então que saltei de mim, sem perceber e perguntei:
- O que você está sentindo? Por que você não quer ir lá? O que se passa aí no seu coração?
Com uma voz trêmula e quase inaudível, depois de me olhar fixamente, como a elaborar se aceitava ou não minha intervenção, ela respondeu: - Medo.
Tentei conduzi-la a entender o sentimento.
- Medo de quê? São seus colegas que estão lá. Você não quer ir?
- Você pode tentar sentir o seu medo. É no coração que ele está?
- Você pode acolher o que você está sentido e levar isso com você lá para o outro lado?
- Você acha que consegue? Você quer tentar?
Ela me olhava como que buscando dentro de si a resposta.
Eu não me dirigi aos pais e não sei o que sentiam ou pensavam sobre mim.
Precisei eu mesma mudar de lugar e deixei a situação naquele ponto em que estava.
Não sei se a menina se movimentou, se seus cuidadores mudaram de abordagem.
Questionei a necessidade que temos de forçar alguns comportamentos na criança, a nossa incapacidade em resguardar os sentimentos e sensações delas, a nossa fraqueza em querer impor um poder sem sentido face a suas fragilidades.
Espero ter deixado uma sementinha de empatia. Mas colhi também a possibilidade de refletir, aprender e olhar para meus próprios comportamentos como mãe.